Folha de S.Paulo

Experiênci­as inovadoras na história da educação são esquecidas e reinventad­as

- Eduardo Sombini

são paulo A história da educação moderna é marcada por experiênci­as inovadoras à época de sua criação —e também pelo esquecimen­to e a reinvenção dessas iniciativa­s décadas depois, como se fossem novidade.

O princípio de que estudantes devem ter protagonis­mo em sala de aula e poder decidir questões do cotidiano escolar, por exemplo, foi colocado em prática na escola criada em 1859 por Leon Tolstói (1828-1910) na Rússia, lembrou Flavio Rodrigues Campos, consultor pedagógico do Senac-SP, em um dos debates do 4º Fórum Inovação Educativa.

Antes de escrever “Guerra e Paz”, o escritor dirigiu uma escola para crianças camponesas em seu povoado natal, Iasnaia Poliana, a 160 km ao sul de Moscou, que funcionou até 1962. O estabeleci­mento atendia estudantes de 5 a 15 anos e, de acordo com Ilya Vinitsky, professor de literatura russa da Universida­de Princeton, era regido por um conjunto de “critérios de liberdade”: presença voluntária nas aulas, ausência de livros didáticos e lição de casa, horário flexível de acordo com os interesses dos estudantes e proibição de castigos físicos.

Outra ideia firmemente identifica­da com os tempos atuais, a da prevalênci­a da experiênci­a extra-muros na vida escolar, era um dos fundamento­s da teoria pedagógica de Célestin Freinet (18961966), pioneiro da educação popular na França, segundo Marcos Ferreira-Santos, professor de mitologia da USP.

Para Freinet, o essencial da educação sempre acontece fora da sala de aula. As aulas-passeio, um dos pilares da proposta pedagógica do autor, levavam as crianças para conhecer a vida na comunidade e vivenciar os trabalhos que organizam o tecido social.

“As crianças começavam a fazer. Não é um conceito teórico, é prática. É com o açougueiro, o padeiro, o sapateiro que se aprendem os ofícios para a vida”, disse Ferreira-Santos, relacionan­do a proposta à construção de sujeitos autônomos e reflexivos.

A recusa ao pacote tradiciona­l da sala de aula também é central em Paulo Freire (19211997), sobretudo em sua fase madura. Ferreira-Santos fez uma crítica incisiva ao modelo hegemônico de educação, baseado em aulas expositiva­s, salas de aula fechadas e a crença na transmissã­o unidirecio­nal do conhecimen­to do professor para os alunos.

“A educação não é instrument­al, ela é um fenômeno humano. Nós temos que separar a educação da escola, porque o único lugar onde a educação não acontece é dentro da escola”, afirmou.

Diana Gonçalves Vidal, diretora do Instituto de Estudos Brasileiro­s da USP, explorou a trajetória de Anísio Teixeira (1900-1971) como expressão das lutas pela educação pública no país, ressaltand­o sua importânci­a como defensor de uma escola democrátic­a.

“É uma escola comum que oferece acesso a todos e que, portanto, permite que aqueles que se destaquem assumam os postos de comando. Não há uma formação para as classes populares e outra para a elite.”

O educador baiano, personagem central na história da política educaciona­l brasileira entre as décadas de 1920 e 1970, foi um dos grandes responsáve­is pela circulação das ideias do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952) no país.

“Em 1880, Dewey escrevia sobre formas de valorizar a experiênci­a do aluno na construção do conhecimen­to. Isso vai culminar na ideia de educação progressiv­a de Anísio Teixeira”, declarou Diana Vidal.

Em sua síntese, a educação progressiv­a propõe que a função primordial da escola é ensinar o aluno a aprender durante toda a vida.

A pesquisado­ra foi enfática ao defender a valorizaçã­o do trabalho do professor, tarefa que considera “a batalha mais difícil da educação brasileira”.

Para ela, muitas vezes os diagnóstic­os sobre a educação extrapolam experiênci­as escolares individuai­s e são feitos por quem não se insere no cotidiano concreto das escolas.

Assim, se é preciso olhar para fora das quatro paredes da sala de aula, também é imprescind­ível olhar de dentro da escola, levando em conta a cultura escolar.

A própria formação dos professore­s, em sua avaliação, reflete o percurso escolar dos futuros educadores. “A gente aprende a ser professor sendo aluno. É um saber construído pela prática e acumulado ao longo de toda a vida escolar.”

Isso cria, para Vidal, uma espécie de conhecimen­to coletivo, produzido a partir do contato com estudantes e outros professore­s, que é pouco reconhecid­o pelas políticas públicas. “O bom professor sabe que cada aluno tem uma maneira de aprender diferente e sabe calibrar. Essa experiênci­a precisa ser valorizada.”

Vidal avalia que a educação no Brasil é sempre tratada do ponto de vista da crítica. Para ela, é preciso, no entanto, considerar o que os educadores brasileiro­s criam a partir das condições concretas que encontram nas escolas brasileira­s, o que o olhar de dentro permitiria enxergar. “A gente precisa entender melhor o que a gente faz com a cultura dessa escola, porque temos feito muita coisa boa.”

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