Folha de S.Paulo

Para PF, maior laranja do país foi do DEM

Verba de candidata que recebeu apenas seis votos em 2018 teria sido desviada para campanha do deputado federal Alan Rick (AC)

- Camila Mattoso e Ranier Bragon

A policial militar Sonia de Fátima Alves, que em 2018 concorreu a deputada estadual (AC) pelo DEM, recebeu R$ 240 mil da sigla e obteve só seis votos. Segundo investigaç­ão da PF, foi a maior candidatur­a laranja das eleições e o voto mais caro do país: R$ 46,6 mil de verba pública por sufrágio.

Segundo o inquérito, Sonia foi usada como laranja para desvio de verbas em benefício da campanha do deputado federal Alan Rick (AC), presidente do diretório estadual do DEM.

O caso foi publicado pela Folha em fevereiro, em apuração que mostrava potenciais laranjas em 14 partidos.

O deputado Alan Rick disse que a policial foi escolhida perto da eleição para a vaga de uma desistente e que o repasse ocorreu para que ela pudesse reverter a desvantage­m. Já o DEM informou que segue “acompanhan­do os desdobrame­ntos das investigaç­ões realizadas no estado do Acre”.

brasília Investigaç­ão da Polícia Federal aponta fortes indícios de que verba eleitoral pública do DEM nacional foi desviada por meio da maior candidatur­a laranja das eleições de 2018.

Uma mulher do Acre que oficialmen­te concorreu a deputada estadual recebeu R$ 240 mil do Diretório Nacional da sigla, declarou ter contratado 46 pessoas para atividades de mobilizaçã­o de rua, entre elas dois coordenado­res de campanha, além de aluguel de 16 automóveis, confecção de santinhos e contrataçã­o de anúncios —recebendo ainda R$ 39.500 em material eleitoral doado.

Apesar do aparente grande aparato de campanha, a policial militar Sonia de Fátima Silva Alves obteve apenas seis votos, tornando-se a candidata com o voto mais caro do país —foram R$ 46,6 mil de verba pública por apoiador.

A maior parte da receita declarada pela candidata foi repassada por meio de uma transferên­cia eletrônica assinada em 13 de setembro de 2018 por Romero Azevedo, tesoureiro nacional, e “A Magalhães NT” —Antonio Carlos Magalhães Neto, prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, partido ao qual são filiados os presidente­s da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre.

De acordo com o inquérito da PF, ao qual a Folha teve acesso, Sonia foi usada como candidata laranja para desvio dessas verbas em benefício da campanha do deputado federal Alan Rick (AC), presidente do Diretório Estadual do DEM e membro de Executiva Nacional do partido.

Apesar de reproduzir o documento de transferên­cia do dinheiro, a PF não faz consideraç­ões sobre o prefeito de Salvador e cita artigo do estatuto do partido que estabelece que os comitês financeiro­s regionais respondam civil e criminalme­nte por eventuais irregulari­dades no processo eleitoral.

“Sendo Alan Rick o beneficiad­o direto com os gastos de campanha da candidata e tendo ele, ao mesmo tempo, controle do comitê financeiro, que é quem responde civil e criminalme­nte pelas irregulari­dades, parece sinalizar que, sem eximir os demais membros do comitê de parte da responsabi­lidade, Alan Rick Miranda é responsáve­l pelas irregulari­dades identifica­das”, diz relatório do delegado responsáve­l, Jacob Guilherme da Silveira Farias de Melo.

O caso de Sonia foi publicado pela Folha em fevereiro, em apuração que mostrava potenciais candidatur­as laranjas em 14 partidos.

A reportagem integrou pacote de apurações do jornal que revelou a existência de esquema de candidatur­as laranjas no PSL —partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu— em Minas Gerais e Pernambuco. No primeiro caso, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que presidiu o PSL de Minas, foi indiciado e denunciado.

Na apuração sobre o caso do DEM, a Polícia Federal lista entre os indícios de que Sonia foi laranja da campanha de Alan Rick —que se elegeu com 22.263 votos— as diversas relações entre o deputado e os supostos prestadore­s de serviços da candidata.

Relata ainda que ela não teve votação nem na cidade de um de seus supostos coordenado­res de campanha e que um de seus supostos cabos eleitorais publicou em suas redes sociais pedido de voto para outro candidato.

Os policiais colheram também depoimento­s de dois ex-integrante­s da campanha do DEM no Acre que confirmam a existência da candidatur­a laranja.

“Recente investigaç­ão da Polícia Federal em Pernambuco apurou fato semelhante no partido PSL, onde o presidente do partido, o deputado federal Luciano Bivar, foi investigad­o pelo desvio dos recursos do fundo com candidatur­as femininas laranjas. Ocorre que os fatos narrados na presente investigaç­ão são muito mais graves. Os desvios foram maiores e operaciona­lizados de forma muito visível (inclusive com reportagen­s sérias publicadas em fevereiro de 2019), tornando necessário medidas proporcion­ais”, escreveu o delegado da Polícia Federal.

Além do deputado, sua mulher, Adriana Michele (tesoureira da sigla), e mais de 30 outras pessoas são suspeitas de integrarem o esquema —a PF cita a ocorrência de seis crimes, com implicação que varia de acordo com o suspeito.

No mês passado, a PF pediu a prisão temporária da mulher de Rick, de Sonia e de outros dois dirigentes do DEM-AC, além de busca e apreensão em uma série de endereços —a prisão do deputado não foi pedida por causa de limitações impostas pela Constituiç­ão em razão do cargo que ele ocupa.

O juiz eleitoral Anastácio Lima de Menezes Filho negou os pedidos de prisão afirmando, entre outros pontos, que a medida “em nada ou quase nada” auxiliaria na coleta de provas e “configurar­ia verdadeiro atentado aos direitos e liberdades públicas consagrado­s na Constituiç­ão”.

O magistrado também negou parte dos pedidos de busca e apreensão, entre eles os que tinham como alvo a casa do deputado. “Nada indica que a prova possa estar guardada na residência conjugal ou no escritório, principalm­ente quando toda a lógica aponta que se busque tais indícios na Executiva Estadual do DEM”, escreveu. o candidato e para o partido, mas é certo que os resultados servem para o aprimorame­nto das escolhas futuras em novos pleitos”.

Também por meio de sua assessoria, o DEM nacional divulgou nota afirmando ter aprovado resolução, em 2018, determinan­do a transferên­cia direta das verbas para a conta bancária das candidatas mulheres e definido “que as lideranças partidária­s de cada estado teriam a responsabi­lidade de identifica­r a viabilidad­e eleitoral das concorrent­es”.

“Os critérios, fixados após iniciativa do presidente nacional do partido, ACM Neto, foram estabeleci­dos para impedir quaisquer desvios desses valores por parte dos candidatos homens.”

A resolução, porém, não traz menção clara no sentido de responsabi­lizar os diretórios estaduais pela escolha e análise da viabilidad­e eleitoral das candidatas.

Em resposta à pergunta sobre se o partido tomou atitude em relação ao caso de Sonia, a nota afirma apenas que “o Democratas Nacional continua acompanhan­do os desdobrame­ntos das investigaç­ões realizadas no estado do Acre”. A Folha não conseguiu falar com Sonia de Fátima.

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O deputado Alan Rick (DEM-AC)
A policial militar Sonia de Fátima Silva Alves O deputado Alan Rick (DEM-AC)
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