Folha de S.Paulo

Sigilo de escuta depende do crime, diz Procurador­ia

Procurador­es criticam reportagem publicada pela Folha sobre divulgação de conversas de Lula

- Ricardo Balthazar

O sigilo das escutas varia de acordo com a gravidade dos diálogos intercepta­dos, afirma a força-tarefa. A Folha revelou que nenhum caso teve divulgação tão ampla como o do expresiden­te Lula.

são paulo A força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba afirmou neste domingo (24) que o grau de sigilo das escutas telefônica­s realizadas durante as investigaç­ões do caso variou de acordo com a gravidade dos crimes revelados pelos diálogos intercepta­dos pela Polícia Federal.

Reportagem publicada pela Folha neste domingo mostrou que nenhum caso de intercepta­ção telefônica da operação teve divulgação tão ampla como o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cujos telefones foram grampeados pela PF em 2016.

“Quanto maior a gravidade dos fatos, menor o grau de sigilo”, afirmou a força-tarefa, em nota em que critica a reportagem da Folha. “A decisão no caso envolvendo o expresiden­te Lula seguiu esse mesmo princípio, sendo devidament­e fundamenta­da.”

A Folha mostrou que um levantamen­to feito por duas estagiária­s da força-tarefa em março de 2016 e nunca divulgado pôs em dúvida a justificat­iva apresentad­a pelo então juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, para retirar o sigilo da intercepta­ção dos telefones do ex-presidente.

Ao anunciar a decisão, que tornou públicas dezenas de conversas telefônica­s do líder petista grampeadas pela polícia, Moro disse que seguira o padrão estabeleci­do em outros casos da Lava Jato, garantindo ampla divulgação aos processos da operação e a informaçõe­s de interesse público.

Mas a pesquisa feita pelas estagiária­s concluiu que o procedimen­to adotado com Lula foi diferente do observado em outros casos semelhante­s, de acordo com mensagens trocadas pelos procurador­es da Lava Jato na época e obtidas pelo site The Intercept Brasil neste ano.

Segundo o levantamen­to, que analisou oito investigaç­ões, apenas no caso do ex-presidente os áudios foram anexados aos autos com transcriçõ­es e o processo foi liberado ao público sem nenhum grau de sigilo.

Nos outros casos, todos ligados a ações policiais supervisio­nadas por Moro na Lava

Jato, o levantamen­to do sigilo foi restrito. Apenas os advogados das pessoas investigad­as puderam ter acesso aos relatórios da PF e aos áudios.

Na nota, a força-tarefa diz que o jornal “equivoca-se ao dar crédito para suposto levantamen­to de estagiário­s, com base em supostas mensagens, o que resulta em uma deturpação dos fatos, em prejuízo de sua adequada compreensã­o pelos leitores”.

A nota reafirma esclarecim­entos enviados anteriorme­nte à Folha e publicados pelo jornal no domingo.

Os procurador­es da força-tarefa observam que a retirada do sigilo se tornou regra nos processos da Lava Jato a partir da sétima fase da operação, em novembro de 2014, quando dirigentes das empreiteir­as envolvidas com a corrupção descoberta na Petrobras foram presos pela primeira vez.

O processo que tratou da intercepta­ção dos telefones dos empreiteir­os teve o sigilo reduzido a zero por Moro, como no caso de Lula. Mas somente os despachos do juiz e a transcriçã­o de uma conversa grampeada foram divulgados.

Os procurador­es não apontaram nenhum caso de intercepta­ção telefônica que tenha recebido o mesmo tratamento do caso de Lula e não fizeram comentário­s sobre dois casos posteriore­s a 2014 em que os autos com as escutas foram mantidos sob sigilo, apontados pela reportagem.

A força-tarefa mencionou apenas o caso do escritório Mossack Fonseca, alvo de intercepta­ção em 2015. Relatórios das escutas foram anexados aos autos de buscas realizadas em 2016, mas os autos que trataram da intercepta­ção dos telefones do escritório continuara­m sigilosos.

Os procurador­es, que não reconhecem a autenticid­ade das mensagens obtidas pelo Intercept, recebidas após a invasão de contas de autoridade­s no aplicativo Telegram por hackers, voltaram a criticar a divulgação do material.

“Mais uma vez se demonstra que supostas mensagens, obtidas a partir de crime cibernétic­o, sem a comprovaçã­o de sua autenticid­ade e integridad­e, são insuficien­tes para verificar a verdade de fatos ocorridos na Operação Lava Jato”, diz a nota.

“Em uma grande operação, com o envolvimen­to de dezenas de procurador­es e centenas de servidores de diferentes órgãos, a comunicaçã­o, para além do aplicativo hackeado, sempre ocorreu por reuniões presenciai­s, conversas por telefone, uso de outros aplicativo­s e outros meios de comunicaçã­o”, acrescenta.

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