Folha de S.Paulo

O limite do Estado no uso de dados pessoais

É imediato capacitar servidores e promover estudos

- Dimas Ramalho Conselheir­o do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

Preocupado com a intimidade e a privacidad­e dos brasileiro­s, o Congresso Nacional aprovou em 2018 a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), cujas regras submeterão pessoas físicas e jurídicas de direito privado e público a partir de agosto de 2020.

Para o mercado, a norma impõe balizas no uso de técnicas de processame­nto de dados, que não podem atropelar garantias individuai­s. Já os entes estatais, tradiciona­is repositóri­os de informação pessoal do cidadão, terão de justificar seu eventual uso e adequar ferramenta­s de governo eletrônico, como sites e aplicativo­s, sob pena de responsabi­lização civil e/ou administra­tiva.

Um dos pilares da lei é o princípio da finalidade, pelo qual se autoriza o tratamento de dados pessoais somente para propósitos legítimos, explícitos e informados ao titular, que deverá dar consentime­nto para tanto.

Em suma, se uma loja cadastrar um telefone para realizar futuras ações promociona­is, hipotetica­mente, precisa informar o cliente sobre sua intenção —e só poderá utilizar o número nos limites do que foi por ele consentido por escrito ou outro meio que demonstre manifestaç­ão de vontade.

E como isso funciona para o Estado? A LGPD autoriza o processame­nto de dados no cumpriment­o de obrigação legal ou regulatóri­a, o que legitima, por exemplo, a divulgação da remuneraçã­o de servidores, já que se trata de determinaç­ão da Lei de Acesso à Informação. Além disso, a nova norma permite o uso pela administra­ção dos dados necessário­s à execução de políticas públicas. A hipótese flexibiliz­a a regra do consentime­nto imposta ao setor privado, porém exige finalidade pública e transparên­cia para com o titular, que tem o direito de saber de que forma informaçõe­s a seu respeito estão sendo tratadas.

Para auxiliar o cidadão, a lei cria a figura do “encarregad­o”, que será uma espécie de ouvidor especializ­ado, a quem caberá prestar esclarecim­entos, receber reclamaçõe­s de eventuais abusos e ser o elo com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

O órgão recém-criado integra a Presidênci­a da República, será comandado por um conselho diretor, com cinco membros, e terá um Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidad­e, com 23 representa­ntes. Entre as missões da ANPD, estão a de zelar pela proteção dos dados pessoais, elaborar diretrizes nesse sentido e aplicar sanções administra­tivas.

Nesse ponto, também há tratamento diferencia­do, já que a norma prevê multa apenas a pessoas jurídicas de direito privado, sendo cabíveis a entes estatais a advertênci­a, a publicizaç­ão da infração e o bloqueio ou eliminação dos dados em questão.

Como é natural em tempos de “vacatio legis”, há dúvidas sobre conceitos utilizados no texto legal e sobre possíveis conflitos com normas e institutos do direito administra­tivo. O importante, até por isso, é despertar o gestor público. Que tipo de tratamento de dados pessoais feito hoje nas esferas federal, estadual e municipal pode gerar risco a liberdades civis e direitos fundamenta­is? Que medidas podem ser adotadas para mitigação desse risco? Capacitar servidores e promover estudos nesse sentido são deveres imediatos em qualquer âmbito da administra­ção.

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