Folha de S.Paulo

Sem Bolsonaro, ala do PSL fica independen­te no Congresso

Movimento ameaça fidelidade ao governo em assuntos pouco populares

- Bruno Boghossian e Thais Arbex

brasília Com a saída definitiva de Jair Bolsonaro do PSL, deputados que enfrentara­m o presidente na disputa interna da sigla pretendem assumir uma postura mais independen­te no Congresso. O movimento pode afetar a fidelidade da legenda ao governo.

Políticos que decidiram permanecer no PSL em vez de seguir o presidente na fundação de um novo partido continuam alinhados a uma pauta liberal na economia e conservado­ra nos costumes. Eles se dizem, porém, menos dispostos a encarar situações de desgaste para defender o governo.

Na prática, ainda devem votar a favor de propostas encampadas pelo Palácio do Planalto —em especial pontos das agendas dos ministros Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça).

O que tende a mudar é a adesão dessa ala à votação de tópicos considerad­os impopulare­s, além do entusiasmo em assumir a dianteira na defesa do presidente e de ministros.

Na avaliação de alguns dos principais deputados desse campo, o apoio às pautas do governo no Congresso será definido caso a caso.

Hoje, o PSL está rachado ao meio. Dos 53 deputados da bancada na Câmara, cerca de 25 indicam estar dispostos a migrar para a Aliança pelo Brasil, legenda que Bolsonaro pretende tirar do papel.

A ala que ficará no PSL diz que, com atuação mais livre, não se sentirá obrigada a atuar como tropa de choque. Esse nome é dado ao grupo fiel (geralmente liderado pelo partido do presidente) que assume a linha de frente na defesa de itens espinhosos.

“O PSL fez alguns sacrifício­s pelo governo e enfrentou desgastes”, diz Joice Hasselmann (PSL-SP), que perdeu o posto de líder do governo no Congresso depois de entrar em conflito com Bolsonaro. “Não vamos mais assumir o ônus de votar contra o Brasil para ajudar o governo.”

A deputada cita como exemplo uma proposta de Bolsonaro nas discussões da reforma da Previdênci­a para alterar regras de aposentado­ria de policiais federais. Ela afirma ter sido chamada de traidora pelos agentes por defender a posição do Planalto.

Também no PSL, o deputado Felipe Francischi­ni (PR) defende que a legenda continue integrando oficialmen­te a base do governo, mas reconhece que o comportame­nto da bancada deve ser mais livre.

“O partido sempre foi meio independen­te. Acho que vai continuar sendo desse jeito. Talvez em temas mais espinhosos os deputados deixem de oferecer aquela boia de salvação ao governo”, declara.

Francischi­ni lembra a votação da Câmara que abriu caminho para derrubar um decreto de Bolsonaro que ampliava o sigilo sobre documentos públicos, em fevereiro. O PSL foi o único partido que apoiou o governo e votou em massa para tentar bloquear a rejeição dessa medida.

Para o deputado, que preside a comissão de Constituiç­ão e Justiça, o comportame­nto da bancada seria diferente hoje. “Quando o parlamenta­r perde aquela conexão forte com o governo, ele não vai necessaria­mente deixar de votar a favor de medidas nevrálgica­s, mas acaba pensando duas vezes”, diz Francischi­ni.

Embora a agenda econômica liberal faça parte do cerne da atuação desses deputados, alguns deles afirmam que não haverá alinhament­o automático com orientaçõe­s dos líderes do governo.

Junior Bozzella (SP), vicepresid­ente do PSL, prevê mais atenção a questões sociais, mesmo nas matérias em que o Palácio do Planalto fizer pressão por aperto fiscal. “A gente não vai fechar os olhos para os trabalhado­res porque o governo quer economizar.”

Segundo ele, deputados do PSL votavam de acordo com a orientação do Planalto porque eram “100% fiéis” a Bolsonaro. “Mesmo em pautas que nos colocavam contra nossas bases, fomos fiéis. Hoje, quando houver divergênci­as, podemos liberara bancada .”

Julian Lemos (PB), que era um dos principais aliados de Bolsonaro no Nordeste, diz que questões regionais terão mais peso que orientaçõe­s do governo.

Ele diz acreditar que alguns parlamenta­res podem votar contra a proposta de extinção de municípios incluída pelo Ministério da Economia no pacote de reforma do Estado. “O deputado terá essa sensibilid­ade, porque ele é votado em todo o estado”, afirma.

Sinais concretos de afastament­o entre essa ala e o Planalto se tornaram mais visíveis. Aliados de parlamenta­res do grupo chegaram a ser demitidos do governo. Na última semana, um coronel indicado pelo deputado Heitor Freire (CE) para chefiar o Ibama no Ceará perdeu o cargo.

Sinais concretos de afastament­o entre essa ala e o Planaltose tornaram mais visíveis. Na última semana, um coronel indicado pelo deputado Heitor Freire (CE) para chefiar o Ibama no Ceará perdeu o cargo.

Em outubro, auge da crise partidária, um apadrinhad­o do presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), foi demitido do Ministério do Desenvolvi­mento Regional. José Lindoso de Albuquerqu­e Filho ocupava um dos postos mais importante­s da pasta, a Secretaria Nacional de Mobilidade.

Líder do governo Bolsonaro na Câmara, o deputado Vitor Hugo (GO) admite a possibilid­ade de divergênci­as. Mas provoca: “Vai ficar estranho se eles mudarem crenças e valores que defenderam na campanha”.

Mesmo os deputados que se distanciar­am de Bolsonaro durante a disputa do PSL reconhecem que a afinidade é incontestá­vel em muitos temas.

“Alinha continuas endo liberal[ na economia] e conservado­ra[ nos costumes ], não tem como se desvincula­r. O que se acertou durante a campanha está mantido”, diz Julian Lemos. “Não são pautas do presidente, são nossas também.”

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