Folha de S.Paulo

Quem buscar ‘civilizaçã­o’ na Wikipedia vai cair no verbete do Uruguai

- Daigo Oliva

são paulo O Uruguai é curioso. No meio do caos em que se enfiou a América Latina, o país disputou uma eleição tão tranquila que faria os países nórdicos ficarem até incomodado­s.

Uma eleição em que a legenda governista, a Frente Ampla, mostra-se tão conformada que parece nem querer vencer.

O ex-presidente José “Pepe” Mujica disse que, caso perca, partirá para uma “oposição construtiv­a”. Já o atual, Tabaré Vázquez, disse que não seria um problema a Frente Ampla deixar o poder após 15 anos.

Além da garantia de que direitos civis serão preservado­s independen­temente de quem vencesse, o vírus do caudilhism­o também não pegou por lá.

Em qualquer outro lugar, os cinco pontos que separavam os dois candidatos nas pesquisas de intenção de voto se transforma­riam numa disputa acirrada, cheia de frases de efeito e provocaçõe­s. Na Argentina, Mauricio Macri lutou até o final mesmo após levar uma surra nas primárias.

Essa eleição no Uruguai é curiosa também porque problemas reais foram debatidos. Em vez de fantasmas ideológico­s ou acusações vazias, o governista Daniel Martínez e o oposicioni­sta Luis Lacalle Pou se concentrar­am nas propostas para melhorar a segurança no país, uma crise para valer.

Ao ser apoiado publicamen­te por Jair Bolsonaro, Lacalle Pou rechaçou a declaração, ressaltand­o a tradição de não interferên­cia em países vizinhos. No Uruguai, mesmo que a centro-esquerda deixe o poder, o presidente brasileiro não terá o tipo de aliado que deseja.

É provável que o Planalto ganhe um ponto com a eventual entrada do Uruguai no Grupo de Lima, o que tiraria o país da posição de neutralida­de em relação à situação na Venezuela. O que ninguém espera é uma metralhado­ra retórica contra Nicolás Maduro, cheia de efeitos pirotécnic­os para agradar um eleitorado radical.

Até mesmo o apoio de Guido Manini Ríos a Lacalle Pou precisa ser visto com reservas. Tão logo o general publicou um vídeo agressivo contra a esquerda, foi repreendid­o pelo candidato aliado. Os 10% conquistad­os por Manini Ríos no primeiro turno surpreende­m, mas, até um futuro próximo, quem buscar “civilizaçã­o” na Wikipedia cairá no verbete referente ao Uruguai.

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