Houve golpe e só participaremos de eleições se houver Justiça, diz Linera
Ex-vice presidente da Bolívia descarta nova candidatura de Evo na próxima disputa no país
montevidéu Álvaro García Linera, 57, atende o telefone na manhã deste domingo (24), na Cidade do México. Ao fundo, é possível escutar a voz da filha.
“Espere, estou procurando a mãe dela. Está inquieta, ainda não se acostumou a esse lugar”, diz o ex-vice presidente boliviano à Folha, enquanto tenta encontrar a esposa. “Estamos morando em uma instalação militar, não é exatamente uma casa, mas é temporário.”
García Linera e Evo Morales estão asilados no México desde 12 de novembro, dois dias após o agora ex-presidente renunciar, pressionado por manifestações populares e pela cúpula das Forças Armadas.
Pouco antes, naquele mesmo 10 de novembro, ambos haviam anunciado a realização de novas eleições no país, depois de a OEA (Organização dos Estados Americanos) realizar uma auditoria na contagem de votos do pleito presidencial e apontar irregularidades na realização do processo que deu vitória a Evo.
Mas a convocação de novas eleições não foi o bastante para arrefecer a convulsão no país. Após o anúncio, o general
Williams Kaliman “sugeriu” a renúncia do então presidente.
Sem o apoio dos militares, Evo e García Linera —com sua mulher e filha— embarcaram em um avião oferecido pelo governo mexicano de Andrés Manuel López Obrador. Sylvia Colombo
Participação nas próximas eleições gerais na Bolívia
Primeiro é preciso lembrar que quem convocou eleições primeiro, e como autoridade legítima que éramos, fomos nós, após recomendação da OEA. Isso mesmo tendo convicção de que vencemos sem fraudes no último dia 20 de outubro.
Não participaremos da eleição se a repressão não parar e se não houver investigação sobre os massacres perpetrados contra a população boliviana.
Se for resolvido, ainda assim, eu e o presidente não seremos mais candidatos. Já o MAS poderia participar, porque é nosso dever como partido junto à cidadania eaon osso eleitorado. Nós nos dedicar em osà política e a estar junto à população, mas não nesses cargos.
Classificação do processo que levou à renúncia de Evo
Sem dúvida houve um golpe de Estado. Nossa renúncia tinha de ter sido lida em voz alta no Parlamento e aprovada.
Não foi. Depois, essa senhora [a autoproclamada presidente interina Jeanine Añez], que representa um partido que teve 5% dos votos na última eleição, declarou-se presidentes ema devida votação, desvirtuando o artigo constitucional sobre como se deve dara sucessão presidencial na ausência do mandatário e dos próximos na linha de sucessão.
Percepção de mudança na sociedade boliviana
Eu havia percebido um processo de fascistização das classes médias. Uma inquietação cada vez maior por parte da direita, da burguesia. Mas nós, eu e o presidente, achávamos que isso poderia ser canalizado por meio das urnas.
O que nós não contamos era aforça queia tomara irradiação de um discurso contra nós, racista, de ódio, violento, e logo depois assumido pela própria polícia num espaço de tempo muito rápido.
Críticas de que Evo estaria insuflando conflitos
O presidente tem pedido pacificação. Nós renunciamos em nome da pacificação. Mas é claro que estamos mantendo comunicação com nossos parlamentares e nossos apoiadores lá, mas para que busquem influenciar pelas vias legais.
Reconhecimento de Añez por Brasil e Colômbia
Esses países que não estão nos apoiando estão atuando mais por questões ideológicas doque preocupados coma democracia da região. Nossa região está em crise, desmembrada, desarticulada, não era assim antes.
Atribuo a mudança a ofato de os países estarem muito desunidos, perdeu-se uma concepção de região, perdeu-se um compromisso em fortalecera democracia da América Latina.
Estão todos preocupados com seu poder local, com alinhamentos ideológicos apenas. A América Latina perdeu seu norte constitucionalista.
Planos de voltar à Bolívia depois do período no México
Queremos voltar o mais rapidamente possível, mas temos nossas preocupações. Queremos nossos direitos restaurados e queremos Justiça para as coisas que foram feitas, os abusos, os incêndios às propriedades, os ataques pessoais, a perseguição aos indígenas.
Seguiremos lutando. E, quando voltarmos, será para seguir lutando na política.
Não como candidatos mais. Eu sempre estarei ao lado da população pobre e mais humilde de meu país.