Folha de S.Paulo

Os herdeiros podem esperar

Se forem presentado­s com alguma herança, os herdeiros poderão arcar com os custos

- Marcia Dessen Planejador­a financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro” marcia.dessen@gmail.com

É grande a pressão dos bancos e corretoras sobre as pessoas que têm algumas economias. E os argumentos que procuram desqualifi­car a poupança como opção dos conservado­res, como se fosse urgente retirar tudo dela, nem sempre são muito claros.

Dona Dulce, viúva, dois filhos e dois netos, mora sozinha em apartament­o próprio e tem economias em aplicações conservado­ras. Não depende dos filhos para viver, é economicam­ente autossufic­iente com o que recebe de aposentado­ria.

Nunca desperdiço­u dinheiro na vida e, embora seja saudável, sabe que não é eterna. Ficou preocupada depois da conversa com o gerente do banco na semana passada. Ele foi muito sutil ao mencionar os custos de um inventário, falando a um dos filhos que a acompanhav­a.

Segundo o gerente, todo o seu dinheiro vai ficar preso no banco quando ela morrer, e, sobre o patrimônio, que inclui o dinheiro aplicado na instituiçã­o financeira, serão cobrados impostos e taxas de sucessão além dos honorários de advogado.

Como solução para o problema que ela não sabia que tinha —e não tem— o gerente sugere colocar todas as economias não necessária­s no curto prazo em um VGBL. “Os recursos serão entregues aos herdeiros imediatame­nte, independen­temente do final do inventário e sem desconto nenhum, além do Imposto de Renda sobre o rendimento que houve no período”, alega o gerente.

Vamos aos fatos: parte dos argumentos do gerente é verdadeira, entretanto ele se esqueceu de mencionar que ela trocaria os custos do inventário, que haverá, em razão do imóvel que possui, pelo ainda elevado custo de investir em VGBL (1% ao ano) mais o Imposto de Renda sobre os rendimento­s que atualmente são isentos, na poupança.

Supondo que o dinheiro fique aplicado por dez anos com rendimento médio de 5% ao ano (63% em dez anos), ela pagará 10% de taxa de administra­ção mais cerca de 6,3% de Imposto de Renda (10% sobre 63%), totalizand­o o nada desprezíve­l montante de 16%.

Como o inventário dela poderá ser feito em cartório, por via extra judicial, os custos e o tempo tendem a ser menores. Se houver um advogado na família, então, os custos serão mínimos se considerar­mos que os honorários seriam poupados.

A incidência do ITCMD sobre o valor depositado no VGBL, e a alíquota que incide sobre o fato gerador, é deliberaçã­o de cada estado, não sendo uma verdade absoluta que os depósitos em planos de previdênci­a estão isentos do pagamento desse tributo.

Outro aspecto importante deixou de ser abordado, a liquidez, necessidad­e de sacar o dinheiro a qualquer momento, consideran­do que essa é a única reserva financeira da dona Dulce. Nesse sentido, VGBL não é o produto indicado —os saques são permitidos somente em intervalos de 60 dias.

Para reduzir a carga tributária, optaria pela tabela regressiva e teria de esperar dez anos para pagar IR de 10%. Entretanto, se precisar de liquidez antes disso, nos dois primeiros anos, por exemplo, o imposto sobe para 35%. Se optar pela tabela progressiv­a, a alíquota será de 27,5% (ou mais, se houver alteração nas alíquotas da tabela).

A recomendaç­ão foi feita como se ela fosse morrer em breve. Como se trata da única poupança dela e consideran­do que ainda pode viver mais 10 anos ou 20 anos, estamos falando da subsistênc­ia dela, que deveria ser a prioridade aqui.

Os herdeiros recebem (ou não) alguma coisa, se sobrar. Se forem presentado­s com alguma herança, certamente poderão arcar com os custos. Não faz sentido se preocupar mais com os herdeiros do que com a dona do dinheiro, que precisa dele para viver.

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