Folha de S.Paulo

Artigo 19, trocar pelo quê?

O artigo é pilar da regulação da internet no Brasil, ao garantir liberdade de expressão

- Ronaldo Lemos Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

No próximo dia 4 de dezembro o Supremo Tribunal Federal irá decidir sobre uma questão fundamenta­l para a rede brasileira: a constituci­onalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (lei de cuja criação, vale dizer, participei).

O artigo 19 trata da responsabi­lidade das plataforma­s com relação a conteúdos nelas inseridos pelos usuários. Em outras palavras, é um dos pilares da regulação da rede no Brasil, garantindo liberdade de expressão, livre iniciativa e segurança jurídica.

O artigo 19 é de longe o ponto que foi mais discutido do Marco Civil da Internet. Sua formulação contou com a contribuiç­ão de diversos setores (academia, setor privado, setor público e do próprio Judiciário) ao longo de um debate que durou mais de sete anos. Em suma, é um artigo cujo balanço foi feito após muita reflexão.

Um dos seus principais atributos é ter levado em consideraç­ão a própria jurisprudê­ncia do Superior Tribunal de Justiça, evitando soluções extravagan­tes. Seu resultado é claramente positivo. Em mais de cinco anos de vigência do Marco Civil, trouxe segurança para usuários, startups e plataforma­s.

Hoje, se alguém faz um post criticando um político na internet, é o artigo 19 que impede que esse político retire o conteúdo imediatame­nte, a seu bel-prazer. Para fazer isso, ele precisa procurar o Judiciário e obter uma ordem judicial (pode fazer isso por meio dos Juizados Especiais, que são gratuitos, rápidos e não precisam de advogados).

A ordem judicial é o documento que determinar­á se o conteúdo fica no ar ou não.

O mesmo vale para os marketplac­es de comércio online. Há hoje 300 mil famílias que vivem de vendas online no Brasil. Quando um competidor contesta a oferta de outro, é o artigo 19 que assegura que a oferta ficará no ar até que uma ordem judicial diga o contrário.

Ora, se o artigo 19 cair por ação do Supremo, o que vai ficar no lugar dele? Por exemplo, bastará que o político descontent­e notifique a plataforma para promover a remoção de uma crítica a ele? Ou ainda, bastará que um concorrent­e mal-intenciona­do monte um time para ficar notificand­o a plataforma contra as ofertas dos seus competidor­es, fazendo com que elas sejam derrubadas?

E se o conteúdo ou a oferta forem legítimas? Caberá então às plataforma­s se arrogarem na função do Judiciário e decidir elas próprias o que fica no ar ou não, atuando como juízes, e assumindo o risco?

O impacto dessa mudança é enorme. Em vez de redução, haverá multiplica­ção de litígios. Cada ação judicial de hoje poderia se converter em três ou mais, nas quais todos processam todos.

Qual é o proposta do Supremo para isso? A criação do artigo 19 e o equilíbrio promovido por ele levou anos.

O julgamento do STF que pode derrubar esse artigo acontecerá em duas semanas. É bom que nesse prazo o Supremo reflita o que irá colocar no lugar para regular as centenas de milhões de transações online que acontecem todos os dias na internet brasileira e que hoje são pacificada­s pelo Marco Civil.

Espera-se que o Supremo tenha um plano. E que esse plano seja melhor do que a solução construída com o Congresso Nacional no Marco Civil, com intenso envolvimen­to de todos os setores da sociedade, ao longo de sete anos.

Jáé Aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados que traz fortes punições para vazamentos

Já era Não fazer seguro de nada

Já vem Seguro contra vazamentos de dados pessoais

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil