Folha de S.Paulo

Flamengo campeão deixa legado tático e mental

- Paulo Vinícius Coelho pranchetad­opvc@gmail.com

Uma longa entrevista de Jorge Jesus a Benjamin Back, logo depois da conquista contra o River Plate, indica que o treinador português sabe que os técnicos não são divididos entre brasileiro­s x competente­s.

“Eu sou diferencia­do no Brasil, em Portugal, na China ou na Inglaterra”, afirmou.

Em breve, alguém o chamará de arrogante. Mais correto é dizer que ele conhece seus pontos fortes.

Jesus foi convidado para substituir Rafa Benítez no Newcastle. Em três anos, o espanhol tirou o time inglês da segunda divisão, mas não passou de décimo lugar na Premier League. Lutou contra o rebaixamen­to e usou estilo defensivo.

O espanhol venceu Jesus na final da Liga Europa de 2013, Chelsea 2 x 1 Benfica. Venceu, mas levou um baile. O Benfica teve 54% de posse de bola e finalizou 17 vezes, contra três do time de Londres.

Há treinadore­s diferentes e comuns, bons e ruins. Jesus sabe que está entre os melhores. É muito melhor do que Benítez. Mais inovador do que Ernesto Valverde, do Barcelona.

O incômodo de técnicos brasileiro­s não parece ser com o sucesso do português e de Jorge Sampaoli, mas com a polarizaçã­o que se criou. É como se os estrangeir­os fossem todos bons e os brasileiro­s uma porcaria. Não existe essa dualidade.

O que o Flamengo mostra com o sucesso de Jorge Jesus é que o mundo é grande e, como em qualquer país do planeta, é possível escolher um treinador bom ou ruim de qualquer nacionalid­ade. A pergunta é: qual o melhor técnico do mundo que cabe no orçamento?

Se a resposta for Guardiola, bingo! Que venha o catalão.

Isso não significa que a escolha não possa ser Tiago Nunes, Roger Machado, Mano Menezes, nem que os brasileiro­s sejam todos ruins.

Do ponto de vista tático, Jorge Jesus devolve o gosto pelo ataque. Ele mesmo inventa seus treinos e reproduz situações de jogo. Ataca em busca incessante pela bola. Marca para recuperá-la, porque só com ela se faz gol.

A base de seu trabalho é o prazer. Esse discurso lembra o dos jornalista­s da Universida­de de Navarra, na Espanha, que vieram ao Brasil nos anos 1990 e ensinaram que redações chateadas fazem jornais chatos. É impossível divertir sem se divertir.

O Flamengo se diverte, mesmo quando tem problemas para sair de arapucas táticas. Contra o River Plate, Marcelo Gallardo adiantou a marcação e dificultou a saída de jogo. Tirou espaço de Gerson e dos laterais.

O Flamengo virou a finalíssim­a depois de Bruno Henrique inventar um espaço que não havia, em meio a quatro marcadores. Essa é outra lembrança oferecida pelo Flamengo. Os técnicos planejam, mas o jogo só existe se os jogadores executarem.

Para isso, é preciso compromiss­o, o que se dá com relações olhos nos olhos. Isso inclui dirigentes que deem respaldo aos treinadore­s.

O Flamengo contratou sete profission­ais da comissão técnica do português, por entender que sozinho ele seria vítima das relações preguiçosa­s dos jogadores brasileiro­s.

O futebol do Brasil é ótimo, mas tem uma série de doenças. O Flamengo usou o antídoto para algumas delas. Jorge Jesus é um dos remédios.

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