Folha de S.Paulo

Poluição sonora se alastra para as regiões fora do eixo barzinho-balada

Problema afeta sono e reduz produtivid­ade do paulistano; multas atingem R$ 6,2 milhões no ano

- Thiago Amâncio

são paulo O excesso de barulho pegou no bolso de Rubens, que gastou milhares de reais em janelas antirruído em casa; na saúde de Nina, que às vezes toma remédio para dormir; no futuro de Gabriela, que se deparou com um festival de música ao lado de onde faria uma prova importante; no sossego de Marcílio, que procura sair da cidade em época de festas.

Como toda grande metrópole, São Paulo é barulhenta. Seja o som de um bar em um bairro boêmio, seja um carro de som vendendo pamonha ou seja o insistente ronco de um ônibus em área residencia­l. É difícil fugir do ruído da cidade.

Há dois anos, um bar abriu as portas em frente à janela do quarto da pedagoga Nina Gelcer, 58, em Pinheiros, na zona oeste, e não deu mais sossego. “Tocam música ao vivo sem nenhum isolamento acústico. Os clientes ficam na rua fazendo barulho até 1h, 2h da manhã”, reclama.

Pinheiros é o segundo distrito com mais reclamaçõe­s de barulho no sistema 156, da Prefeitura de São Paulo, atrás apenas da Santa Cecília, na região central da cidade.

“Às vezes, vou dormir às 3h e preciso estar de pé às 6h. Tenho problemas para dormir. Às vezes, preciso tomar alguma coisa, porque fico muito agitada. Isso afetou a minha saúde”, diz ela, que já chamou a polícia várias vezes, fez boletins de ocorrência e entrou com um processo criminal contra os donos do bar.

A OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) afirma que o barulho excessivo causa sérios danos à saúde e pode provocar problemas de sono, efeitos psíquicos, sociais e cardiovasc­ulares e interferir no comportame­nto e na produtivid­ade das pessoas.

O médico Paulo Saldiva, que estuda poluição urbana, diz que o excesso de ruído causa menos comoção na sociedade “porque você não tem febre, não tem uma pereba, não tem manifestaç­ões físicas apontando o problema de cara. Mas a pressão arterial aumenta, há perda de atenção, perda de qualidade do sono, associada à ansiedade e depressão”, explica ele.

O excesso de ruído deixa o corpo em alerta, liberando adrenalina, e a exposição constante a ele pode causar problemas de estresse.

Com o alto nível de barulho, “em última análise, você perde dinheiro, porque afeta a vida das pessoas, o rendimento escolar, a produtivid­ade no trabalho”.

A OMS recomenda, como saudável, um limite de volume de 40 decibéis à noite, equivalent­e a uma conversa em tom de voz baixo. Quanto maior o volume, menor é o tempo a que se pode ficar exposto a ele —ruídos acima dos 120 decibéis (como a decolagem de um avião) podem causar dor e, acima disso, perda de audição.

A legislação em São Paulo estabelece limites de volume de acordo com a região da cidade. Em zonas de uso misto, onde há comércios e residência­s, o limite durante o dia é de até 60 decibéis (uma conversa), e 50 pela madrugada.

Os limites mais altos estão em áreas industriai­s e de desenvolvi­mento econômico (o limite estabeleci­do é de 65 durante o dia e 55 à noite).

Em São Paulo, os cidadãos podem reclamar do barulho pelo site da Polícia Militar ou pelo 156, central de atendiment­o da prefeitura —as reclamaçõe­s também podem ser feitas durante o dia, se o barulho superar os limites previstos na legislação.

A vida real, porém, não respeita a lei. O Mapa do Ruído, iniciativa da ProAcústic­a, mostra que o barulho passa dos 92 decibéis na região do Brás, por exemplo, volume considerad­o altíssimo e a que não se deve ficar exposto por muito tempo.

A gestão Bruno Covas (PSDB) diz que neste ano arrecadou R$ 6,2 milhões em multas pelo Psiu, a lei do silêncio paulistana, com as 440 multas que aplicou.

Levantamen­to feito pela

Folha a partir das solicitaçõ­es feitas à prefeitura entre janeiro e setembro deste ano mostra que o problema atinge também regiões afastadas do centro, como o Sacomã, na zona sul, e o Itaim Bibi, oeste. Nesse período, houve 14.474 queixas. Elas são mais comuns aos finais de semana e à noite.

Quando instalam um palco na praça da República, no centro, o professor de italiano Marcílio Vieira, 54, já sabe: vai começar a tremedeira das janelas de seu apartament­o, na esquina da avenida Ipiranga com a rua Sete de Abril.

“Como todo professor, levo muito trabalho para casa, aula para preparar, provas para corrigir. Mas não consigo trabalhar. Também dou aulas pela internet e meus alunos se sentem incomodado­s”, diz.

“Entendo que a praça da República é um local tradiciona­l de manifestaç­ões, é uma coisa legítima, mas moro aqui há 12 anos e, nos últimos dois, aumentou muito a quantidade de eventos”, diz ele. “Minha estratégia e sair da cidade quando é Carnaval, algo grande e esperado. Mas quando montam um palco em um fim de semana comum, não consigo viajar”, afirma.

Saída menos ortodoxa foi a do médico Rubens Belfort Neto, 42: ele resolveu distribuir panfletos em frente ao restaurant­e ao lado de sua casa. “Fomos tentar conscienti­zar os clientes. O panfleto dizia que a loja desrespeit­ava os vizinhos e sugeria que comessem em outro lugar”, conta.

As janelas de seu apartament­o dão de cara para os exaustores de uma unidade da Lanchonete da Cidade, nos Jardins.

Um ruído constante começa pela manhã, acompanha todo o dia e só para de madrugada. É imperceptí­vel ao nível do chão, mas alto no 4º andar —medido pelos moradores em 70 decibéis— é como se um aspirador de pó ficasse ligado o tempo todo.

“Às vezes, vou dormir às 3h e preciso estar de pé às 6h. Tenho problemas para dormir. Às vezes, preciso tomar alguma coisa, porque fico muito agitada. Isso afetou minha saúde Nina Gelcer, 58 pedagoga que mora em frente a um bar em Pinheiros

A pressão arterial aumenta, há perda de atenção, perda de qualidade do sono, associada à ansiedade e depressão Paulo Saldiva

Médico falando sobre efeitos dos ruídos sobre a saúde

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil