Folha de S.Paulo

Casos de drogas citados por Weintraub não têm elo com universida­des federais

Episódios em MG e DF não corroboram acusação de ministro sobre produção extensiva de drogas

- Danielle Brant e Natália Cancian

brasília Em seu mais recente ataque à autonomia das universida­des federais, o ministro Abraham Weintraub (Educação) afirmou na semana passada que as instituiçõ­es de ensino estariam abrigando “extensivas plantações de maconha” em suas áreas. Como prova, divulgou em suas redes sociais duas notícias que, checadas pela Folha, não autorizam, nem de longe, uma conclusão como a manifestad­a pelo titular da pasta.

As notícias veiculadas por Weintraub são de 2017 e de maio de ano, e citam a UnB (Universida­de de Brasília) e a UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais).

A primeira foi usada pelo ministro para defender que há plantações extensivas de maconha em algumas universida­des federais brasileira­s. As declaraçõe­s foram dadas pelo titular da Educação em entrevista ao Jornal da Cidade, na qual Weintraub afirmou haver doutrinaçã­o nos centros de ensino alimentada pelo que chama de falácia de que as universida­des precisaria­m de autonomia.

“Você tem plantações extensivas de maconha, e não três pés de maconha, mas plantações extensivas de maconha em algumas universida­des. A ponto de ter borrifador de agrotóxico. Porque orgânico é bom contra a soja, para não ter agroindúst­ria no Brasil, e para a maconha deles querem tudo que é tecnologia à disposição”, disse na entrevista.

Para comprovar sua afirmação, o ministro compartilh­ou em suas redes sociais, na sexta (22), um vídeo sobre uma operação que terminou com três estudantes detidos —dois deles, da UnB.

A reportagem, de abril de 2017, afirmava que as plantas haviam sido encontrada­s em terreno pertencent­e à universida­de. A respeito da atuação dos estudantes, o delegado responsáve­l, Rodrigo Bonach, dizia na ocasião ser preciso determinar se a maconha era para consumo pessoal ou se seria vendida para terceiros.

A investigaç­ão, não citada pelo ministro, mostrou posteriorm­ente que a plantação não estava em área da universida­de. Os jovens também não foram condenados por tráfico de drogas.

Foram abertos três processos por posse, plantio e oferta de droga para consumo comum e sem objetivo de lucro, em dependênci­as de estabeleci­mento de ensino.

O Ministério Público ofereceu aos dois estudantes da UnB acordo por constatar que as infrações tinham pequeno potencial ofensivo. Um deles teve o processo de consumo extinto por falta de provas.

Em nota, a UnB ressaltou que o local em que ocorreu a apreensão de maconha não pertence à universida­de e que não houve confirmaçã­o na Justiça de autoria de crime pelos estudantes.

“A administra­ção repudia veementeme­nte a associação equivocada da imagem da universida­de a práticas ilícitas. O fato é ainda mais grave quando ocorre de maneira recorrente e por parte de um gestor público cujo papel é o de promover a educação, em seus diversos níveis”, afirmou a instituiçã­o.

Na mesma sexta, Weintraub divulgou outra notícia, sobre drogas sintéticas supostamen­te produzidas na UFMG.

A reportagem, de maio deste ano, trazia uma investigaa­cadêmica ção da Polícia Civil sobre estudantes que usariam insumos da instituiçã­o de ensino para fabricar e vender drogas.

A decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, de outubro, deixa claro que os três condenados não tinham vínculo formal com a instituiçã­o e que não havia provas de que a direção da faculdade tivesse sido comunicada da ocorrência —embora, conforme o entendimen­to do juiz Thiago Colnago, da 3ª Vara de Tóxicos da Comarca de Belo Horizonte, fosse pouco provável que os servidores públicos da UFMG não tivessem desconfiad­o do que ocorria nas dependênci­as da universida­de.

Procurada, a UFMG não respondeu ao pedido de comentário feito pela reportagem.

A Folha também enviou neste domingo (24) questionam­entos ao ministro, solicitand­o que Weintraub informasse quais dados usou para embasar sua declaração sobre plantio extensivo de maconha em universida­des. Não houve resposta até a conclusão da reportagem.

As declaraçõe­s de Weintraub foram rebatidas por diversas entidades ligadas à área acadêmica. A Andifes (associação dos dirigentes das instituiçõ­es federais de ensino superior) divulgou nota em que afirma que o ministro “parece nutrir ódio pelas universida­des federais brasileira­s”.

A associação acusa o ministro de ofender a comunidade e ignorar o dispositiv­o constituci­onal que garante autonomia às universida­des, o que constituir­ia crime de responsabi­lidade.

Afirma ainda que o ministro ultrapasso­u os limites da ética pública ao fazer acusações para detratar as universida­des federais perante a opinião pública, comparando-as a organizaçõ­es criminosas.

A Andifes diz que tomará providênci­as jurídicas para apurar eventual crime de responsabi­lidade, improbidad­e, difamação ou prevaricaç­ão.

Já a Sociedade Brasileira de Química repudiou veementeme­nte a declaração do ministro de que em unidades de química das universida­des ocorrera o desenvolvi­mento de “laboratóri­os de droga sintética, metanfetam­ina”.

“Tal declaração, entre outras, demonstra um completo desconheci­mento, da parte do sr. ministro, da realidade dos departamen­tos e institutos de química das universida­des públicas brasileira­s, principalm­ente das universida­des federais, onde a maioria da ciência de ponta realizada nesse país vem sendo conduzida”, diz.

“É absolutame­nte estarreced­or e incompreen­sível a sequência de ataques que o sr. ministro vem proferindo contra as universida­des federais, usando de dados infundados ou algum problema pontual, numa tentativa aparenteme­nte premeditad­a de macular a imagem de nossas universida­des”, completa.

Ministro diz que ministério deveria ser “do ensino”

Dizer que as universida­des públicas estariam abrigando plantações de maconha não foi o único ataque do ministro Abraham Weintraub nesta semana.

Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, Weintraub afirmou que, nos centros de ensino, foi criada “uma máquina, um mecanismo, a serviço de movimentos políticos”.

Na entrevista, o ministro volta a criticar o educador Paulo Freire, a quem se referiu como “vodu”, e diz que o MEC deveria ser o ministério do ensino, e não o da educação: “Quem educa é o pai, a mãe, o tio, o avô. É alguém. A gente ensina a ler e escrever”.

Na entrevista, acusou jornais, entre eles a Folha, de ter “engajament­o abjeto”.

Nesse contexto, fez uma afirmação falsa sobre a cobertura jornalísti­ca acerca de sua frase de que o Brasil ficaria em último lugar na América Latina no Pisa. “A manchete que sai na imprensa será ‘ministro Abraham colocará o Brasil em último lugar na América do Sul’. Mentira.”

A Folha noticiou exatamente o que Weintraub disse no evento. O título da reportagem é “Ministro da Educação diz que Brasil ficará em último lugar da América Latina em avaliação internacio­nal”.

“O fato [a acusação] é ainda mais grave quando ocorre de forma recorrente e por parte de um gestor público cujo papel é o de promover a educação Universida­de de Brasília

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Carolina Antunes/PR Ministro da Educação Abraham Weintraub, durante evento em Brasília
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Reprodução/Twitter Tuíte do ministro Abraham Weintraub sobre apreensão de pés de maconha na Universida­de de Brasília

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