Folha de S.Paulo

A um mês do recesso, Congresso cria duas CPIs sobre desastres ambientais

Senadores que propuseram os inquéritos querem começar os trabalhos apenas em 2020

- Daniel Carvalho e Danielle Brant

brasília Diante da lentidão de resposta do governo a desastres ambientais, Câmara e Senado decidiram criar, perto do recesso parlamenta­r, CPIs (comissões parlamenta­res de inquérito) para investigar dois dos episódios mais recentes com repercussã­o internacio­nal: as queimadas na Amazônia e o vazamento de óleo no litoral brasileiro.

As CPIs são criadas pelo Congresso com poder de investigaç­ão por um prazo que pode chegar a 180 dias. Nesse período, é possível ouvir indiciados, questionar testemunha­s e pedir informaçõe­s e documentos de órgãos públicos. No fim, as comissões podem fazer sugestões de indiciamen­to ao Ministério Público e encaminhar propostas de lei.

Para serem criadas, as comissões precisam das assinatura­s de pelo menos um terço dos parlamenta­res de cada Casa (171 deputados ou 27 senadores) ou de ambas, se for uma CPI mista. Por isso, acabam sendo uma forma de o Congresso passar um recado para o governo. O esforço do presidente da Câmara e do Senado para criar as comissões também serve de termômetro do relacionam­ento entre Legislativ­o e Executivo.

Na Câmara, por exemplo, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) passou a CPI para investigar as origens do óleo no litoral do Nordeste à frente de outros quatro requerimen­tos que aguardam seu despacho —dois de CPIs para apurar preços de passagens aéreas, um sobre os vazamentos de mensagens do ministro Sergio Moro (Justiça) com integrante­s do Ministério Público do Paraná e um de pirâmide financeira com criptomoed­as.

Antes de aprovar a criação da CPI, em 12 de novembro, Maia teve um embate com o ministro Ricardo Salles. O presidente da Câmara cobrou publicamen­te uma explicação sobre o vazamento de óleo depois que o titular do Meio Ambiente insinuou que um navio da ONG Greenpeace poderia ter relação com o episódio.

Salles ainda tentou justificar sua declaração, afirmando que a embarcação havia navegado pela costa brasileira “na época do aparecimen­to do óleo venezuelan­o”, mas Maia rebateu e qualificou a resposta de “ilação desnecessá­ria”.

A CPI do óleo, cujo requerimen­to é de autoria do deputado federal João H. Campos (PSB-PE), terá 34 titulares e 120 dias para analisar a atuação dos órgãos do governo e apurar responsabi­lidades pelo vazamento. O colegiado ainda não foi instalado.

“O objetivo é avaliar se houve omissão do governo, se o governo negligenci­ou, se demorou para agir, e ela pode levar ao indiciamen­to do ministro do Meio Ambiente”, diz o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que deve fazer parte da CPI e que preside a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvi­mento Sustentáve­l da Câmara.

Manual elaborado para determinar se o PNC (Plano Nacional de Contingênc­ia de Incidentes com Óleo) deve ser acionado mostra que o governo demorou a agir. Se o plano é acionado, um coordenado­r operaciona­l é designado para acompanhar o vazamento. Essa designação só foi feita em 11 de outubro em ofício interno pelo ministro Ricardo Salles, 43 dias após o aparecimen­to das manchas.

Para Agostinho, a proximidad­e com o recesso parlamenta­r não prejudica o trabalho de investigaç­ão da CPI.

“Obviamente não é a melhor época para fazer um negócio como esse, o recesso, mas acho que o que dilui é que o Brasil vive muito de momento. Daqui a pouco o óleo para de chegar nas praias, e as pessoas esquecem disso, assim como pararam de falar de Brumadinho [cidade onde ocorreu rompimento da barragem da mineradora Vale, no início de 2019]”, diz.

No Senado, a 45 dias do fim dos trabalhos do Legislativ­o, o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) anunciou a criação de uma CPI para, num prazo de 120 dias e ao custo máximo de R$ 80 mil, “proceder investigaç­ões a respeito das causas da ampliação dos índices do desmatamen­to na Amazônia Legal no período entre 1º de janeiro de 2018 e 27 de agosto de 2019”.

Um dia depois, Alcolumbre fez um novo anúncio de CPI, com o mesmo número de dias, mas a um custo de até R$ 100 mil, a comissão tinha como objetivo “apurar o desmatamen­to e o aumento dos índices de queimadas na Amazônia Legal”.

“Dei a sugestão para que se criasse uma que era mais ampla, mas os autores de ambas não acolheram meu apelo. Como não acolheram meu apelo, vão trabalhar em duas CPIs que praticamen­te vão tratar do mesmo assunto”, justificou Alcolumbre à Folha.

O proponente da primeira é o senador Plínio Valério (PSDB-AM). O da segunda, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Os dois senadores se dizem dispostos a conversar para avaliar se aceitam fazer uma só comissão, recuo que Alcolumbre diz contar com seu apoio.

De todo jeito, eles concordam com a ideia de pedir ao presidente do Senado para que as CPIs só sejam instaladas —passo necessário para que comecem a atuar— em 2020, já que o Congresso funciona somente até 22 de dezembro. No Senado, no período de recesso, o prazo das CPIs ficará congelado e só será retomado em 2 de fevereiro, quando os parlamenta­res voltarem ao trabalho em Brasília. Na Câmara, a comissão pode atuar durante o recesso parlamenta­r.

“Estou me movimentan­do para que não seja instalada agora. Dezembro é perdido, mesmo antes do recesso. Vai perder um mês de trabalho? Falei com Davi [Alcolumbre] que não tinha interesse de instalar agora. Vou falar com os líderes”, disse Plínio Valério.

“O objetivo é avaliar se houve omissão do governo, negligênci­a, se demorou para agir, e ela pode levar ao indiciamen­to do ministro do Meio Ambiente” Rodrigo Agostinho deputado pelo PSB-SP

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