Pequim ameaça ativistas após sofrer derrota em Hong Kong
Chanceler chinês diz que qualquer tentativa de minar estabilidade do território ‘não vai ser bem-sucedida’
Um dia após a esmagadora vitória de candidatos pró-democracia nas eleições locais em Hong Kong, o governo chinês divulgou ameaça contra os manifestantes, nas ruas há quase seis meses, informa Igor Gielow.
hong kong Um dia após a esmagadora vitória de candidatos pró-democracia em eleições locais em Hong Kong, o governo em Pequim divulgou uma ameaça contra os manifestantes que tomam as ruas da região há quase seis meses.
“Não importa o quanto a situação em Hong Kong mude, é bastante claro que ela é parte do território chinês. Qualquer tentativa de minar sua estabilidade e prosperidade não vai ser bem-sucedida”, disse o chanceler chinês, Wang Yi, em um evento em Tóquio.
O tom foi uma reação ante o tamanho da derrota sofrida pelos candidatos pró-Pequim na eleição para os 18 conselhos locais da antiga colônia britânica, devolvida à ditadura comunista chinesa em 1997 sob a condição de que permaneceria com um sistema político liberal por 50 anos.
Na manhã desta terça (26), noite de segunda (25) no Brasil, em Hong Kong, a agência estatal chinesa Xinhua fez sua primeira reportagem sobre a eleição, dizendo que candidatos foram afetados após mais de cinco meses de “interferência estrangeira”. Postulantes próPequim, está subentendido.
A imprensa do regime tem feito uma cobertura crítica dos atos, enfocando as reais dificuldades que eles impõem a moradores e aos negócios no território, ignorando as demandas democráticas.
Na eleição, em só um conselho os pró-China venceram. Dos 452 assentos à disposição, os pan-democratas ganharam 347, independentes usualmente pró-democracia, 45, e os alinhados a Pequim, 60.
Nas ruas centrais da ilha de Hong Kong havia pessoas celebrando a vitória na noite da segunda (25) local, quando a Folha chegou à região.
Os conselhos locais são instâncias que lidam com questões mais comezinhas. A vitória oposicionista é largamente simbólica, em especial pelo comparecimento recorde de 2,94 milhões de eleitores, 71,2% dos aptos a votar.
Desde meados do ano, milhares de honcongueses protestam contra uma lei que facilitava a extradição de acusados para a Justiça da China continental —que não tem o grau de independência do Judiciário de Hong Kong.
O governo da executiva-chefe Carrie Lam jogou a proposta fora, mas a situação degenerou em violência. Duas pessoas morreram e quase 5.000 foram presas. Estudantes ainda estão cercados pela polícia na Universidade Politécnica.
No fim de semana, contudo, a tensão arrefeceu.
Nesta terça, o índice da Bolsa local abriu em alta de 1,5%, devido à expectativa de dias mais tranquilos. Ele foi puxado por incorporadoras, que sofreram mais com a crise. Mesmo a Bolsa de Xangai, a maior da China, subia 0,7%, com a alta de ações de empresas que fornecem cimento e aço para a construção em Hong Kong.
Se o poder dos conselheiros locais é limitado, no ano que vem haverá eleição para o Conselho Legislativo, o Congresso local. O órgão tem composição intrincada, com metade dos seus 70 membros eleita por indicação de guildas específicas de negócios e indústria. Hoje, os pró-democracia são só 24 dos deputados.
Se a tendência oposicionista se mantiver, será um problema para Lam, que encabeça o Conselho Executivo e foi escolhida em 2017 por um colegiado de 1.200 pessoas muito sob a influência de Pequim. É o poder real de Hong Kong, que pode encontrar barreiras num Legislativo hostil.
Antes do pleito, ela havia dito que uma “maioria silenciosa” seria contra os protestos, ao justificar a repressão. Após o resultado, falou em “ouvir humildemente” o eleitorado.
Sem um gesto do governo alinhado a Pequim e com ameaças do continente, o risco é o da volta da violência.
A China não pode prescindir da região, principal entreposto para operações bancárias, mas, se a repressão for muito dura, a posição ficará sob ameaça. Dar aos manifestantes uma vitória final parece inaceitável, pois aí Pequim arrisca ver outras regiões com forte autonomia buscando agendas próprias.