Folha de S.Paulo

Presidente vai propor que União assuma reintegraç­ão

Presidente diz que governador­es protelam decisões judiciais e pretende usar GLO para cumpri-las

- Gustavo Uribe

Jair Bolsonaro disse que enviará projeto de lei pelo qual a União pode recorrer a operações de Garantia da Lei e da Ordem para reintegraç­ão de posse em área rural. Cabe aos estados cumprir essas decisões judiciais, mas o presidente se queixa da demora de governador­es em expulsar invasores.

brasília O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira (25) que irá enviar ao Congresso um projeto de lei que autoriza o governo federal a empregar a chamada GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para reintegraç­ão de posse em propriedad­es rurais.

As GLOs são operações de segurança autorizada­s pelo Poder Executivo que podem ter duração de meses. Elas incluem a participaç­ão de agentes de segurança civis e militares, como das Forças Armadas e da Polícia Federal.

Hoje, é papel das gestões estaduais acionar forças de segurança locais para fazer cumprir decisões judiciais de reintegraç­ão de posse. O presidente acha, no entanto, que governador­es têm protelado a retirada de invasores.

Em 1996, uma operação da Polícia Militar do Pará para a desobstruç­ão de uma estrada deixou 19 trabalhado­res rurais mortos, episódio que ficou conhecido como o massacre de Eldorado do Carajás. Um ano antes, dez sem-terra e dois PMs morreram num confronto em Corumbiara (RO).

Desde então, diante da repercussã­o negativa, inclusive no exterior, governos estaduais têm adotado postura de cautela no cumpriment­o de decisões judiciais para evitar novas tragédias.

Com o mesmo receio, o governo federal criou, na época, a função do ouvidor agrário, que existe até hoje. O posto foi inaugurado com o propósito de evitar conflitos e impedir embates entre agentes policiais e manifestan­tes sem-terra.

“Quando marginais invadem propriedad­es rurais e o juiz determina a reintegraç­ão de posse, como é quase como regra que governador­es protelam, poderia, pelo nosso projeto, ter uma GLO do campo para chegar e tirar o cara”, disse o presidente.

Bolsonaro ponderou que, apesar de a medida abrir brecha para atuação federal em uma questão estadual, a ideia é que a iniciativa seja tratada previament­e com o governador do estado afetado.

Pelo rito jurídico, o dono ou arrendatár­io de terra invadida pleiteia junto à Justiça a reintegraç­ão da posse. Caso concedida, cabe a um oficial de Justiça fazer com que a ordem seja cumprida. A Polícia Militar, em geral, garante o cumpriment­o do mandado.

“Há alguns estados que, mesmo que a Justiça determine a reintegraç­ão de posse, isso é protelado”, afirmou o presidente. “Tem de ser algo urgente. E você, dando uma resposta urgente, inibe outros de fazerem isso.”

Desde o massacre de Eldorado do Carajás, as ações da Polícia Militar para o cumpriment­o de reintegraç­ões de posse foram aperfeiçoa­das.

A ação deve ocorrer durante o dia e ser filmada pela PM, por exemplo, e o oficial de Justiça deve ter pleno contato com o comandante da operação da Polícia Militar, que, previament­e, deve informar os detalhes do despejo aos sem-terra e o local para onde as famílias serão remanejada­s.

Bolsonaro disse que a criação de uma GLO para propriedad­es rurais deve ter o apoio integral da chamada bancada ruralista, hoje formada por 247 dos 513 deputados federais e 38 dos 81 senadores.

“Deixo bem claro que isso passa pelo Parlamento. Não é nenhuma medida impositiva da minha parte. Se o Parlamento achar que assim deve ser tratada a propriedad­e privada, aprova. Se achar que a propriedad­e privada não vale nada, aí não aprova”, afirmou.

Apesar do citado apoio da bancada ruralista, formada por quase metade dos integrante­s do Poder Legislativ­o, o Palácio do Planalto já se prepara para uma reação negativa dos governador­es, que costumam ter ascendênci­a sobre as bancadas federais.

Para evitar resistênci­a de partida, o presidente avalia fazer uma reunião prévia com governador­es de Norte, Nordeste e Centro-Oeste, regiões mais afetadas pelas invasões de terra, antes de enviar o projeto de lei.

Segundo assessores presidenci­ais, a proposta ainda está em fase de estudo na SAJ (Subchefia para Assuntos Jurídicos), da Secretaria Geral, e a previsão é que seja finalizada apenas no mês que vem. De acordo com esses assessores, iniciativa teria sido motivada por reclamaçõe­s de produtores rurais em estados como Bahia e Maranhão.

Para aumentar a chance de aprovação, o entorno do presidente defende que a medida seja apresentad­a só no ano que vem, para evitar que seja contaminad­a por oposição — sobretudo entre os partidos do centrão— a outro projeto de lei enviado recentemen­te pelo Poder Executivo.

Na semana passada, o presidente enviou ao Legislativ­o projeto de lei que garante o excludente de ilicitude a agentes de segurança pública durante operações de GLO.

O excludente de ilicitude é o dispositiv­o que abranda penas para agentes que cometerem excessos “sob escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. A iniciativa enfrenta forte resistênci­a na Câmara dos Deputados.

“O GLO não é uma ação social, chegar com flores na mão, é chegar preparado para acabar com a bagunça. Mas se não querem, não estou ameaçando ninguém não, não tem problema. A caneta Compactor é minha. Não tem GLO. Ponto final”, disse Bolsonaro nesta segunda-feira.

A proposta do presidente para áreas rurais ocorre em meio ao aumento do número de invasões a terras indígenas no país. Elas cresceram durante os nove primeiros meses da atual gestão, segundo dados preliminar­es divulgados em setembro pelo Cimi (Conselho Indigenist­a Missionári­o), vinculado à CNBB (Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil).

Em todo o ano passado, foram registrado­s 111 casos do tipo em 76 terras indígenas. Somente de janeiro a setembro deste ano, o número pulou para 160 invasões em 153 terras indígenas.

Leia mais sobre propostas do governo Bolsonaro envolvendo GLOs na pág. B4, de Cotidiano

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Lalo de Almeida - 10.set.19/Folhapress PM avança por estrada na floresta Bom Futuro (RO) para cumprir ordem de reintegraç­ão de posse

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