Presidente vai propor que União assuma reintegração
Presidente diz que governadores protelam decisões judiciais e pretende usar GLO para cumpri-las
Jair Bolsonaro disse que enviará projeto de lei pelo qual a União pode recorrer a operações de Garantia da Lei e da Ordem para reintegração de posse em área rural. Cabe aos estados cumprir essas decisões judiciais, mas o presidente se queixa da demora de governadores em expulsar invasores.
brasília O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira (25) que irá enviar ao Congresso um projeto de lei que autoriza o governo federal a empregar a chamada GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para reintegração de posse em propriedades rurais.
As GLOs são operações de segurança autorizadas pelo Poder Executivo que podem ter duração de meses. Elas incluem a participação de agentes de segurança civis e militares, como das Forças Armadas e da Polícia Federal.
Hoje, é papel das gestões estaduais acionar forças de segurança locais para fazer cumprir decisões judiciais de reintegração de posse. O presidente acha, no entanto, que governadores têm protelado a retirada de invasores.
Em 1996, uma operação da Polícia Militar do Pará para a desobstrução de uma estrada deixou 19 trabalhadores rurais mortos, episódio que ficou conhecido como o massacre de Eldorado do Carajás. Um ano antes, dez sem-terra e dois PMs morreram num confronto em Corumbiara (RO).
Desde então, diante da repercussão negativa, inclusive no exterior, governos estaduais têm adotado postura de cautela no cumprimento de decisões judiciais para evitar novas tragédias.
Com o mesmo receio, o governo federal criou, na época, a função do ouvidor agrário, que existe até hoje. O posto foi inaugurado com o propósito de evitar conflitos e impedir embates entre agentes policiais e manifestantes sem-terra.
“Quando marginais invadem propriedades rurais e o juiz determina a reintegração de posse, como é quase como regra que governadores protelam, poderia, pelo nosso projeto, ter uma GLO do campo para chegar e tirar o cara”, disse o presidente.
Bolsonaro ponderou que, apesar de a medida abrir brecha para atuação federal em uma questão estadual, a ideia é que a iniciativa seja tratada previamente com o governador do estado afetado.
Pelo rito jurídico, o dono ou arrendatário de terra invadida pleiteia junto à Justiça a reintegração da posse. Caso concedida, cabe a um oficial de Justiça fazer com que a ordem seja cumprida. A Polícia Militar, em geral, garante o cumprimento do mandado.
“Há alguns estados que, mesmo que a Justiça determine a reintegração de posse, isso é protelado”, afirmou o presidente. “Tem de ser algo urgente. E você, dando uma resposta urgente, inibe outros de fazerem isso.”
Desde o massacre de Eldorado do Carajás, as ações da Polícia Militar para o cumprimento de reintegrações de posse foram aperfeiçoadas.
A ação deve ocorrer durante o dia e ser filmada pela PM, por exemplo, e o oficial de Justiça deve ter pleno contato com o comandante da operação da Polícia Militar, que, previamente, deve informar os detalhes do despejo aos sem-terra e o local para onde as famílias serão remanejadas.
Bolsonaro disse que a criação de uma GLO para propriedades rurais deve ter o apoio integral da chamada bancada ruralista, hoje formada por 247 dos 513 deputados federais e 38 dos 81 senadores.
“Deixo bem claro que isso passa pelo Parlamento. Não é nenhuma medida impositiva da minha parte. Se o Parlamento achar que assim deve ser tratada a propriedade privada, aprova. Se achar que a propriedade privada não vale nada, aí não aprova”, afirmou.
Apesar do citado apoio da bancada ruralista, formada por quase metade dos integrantes do Poder Legislativo, o Palácio do Planalto já se prepara para uma reação negativa dos governadores, que costumam ter ascendência sobre as bancadas federais.
Para evitar resistência de partida, o presidente avalia fazer uma reunião prévia com governadores de Norte, Nordeste e Centro-Oeste, regiões mais afetadas pelas invasões de terra, antes de enviar o projeto de lei.
Segundo assessores presidenciais, a proposta ainda está em fase de estudo na SAJ (Subchefia para Assuntos Jurídicos), da Secretaria Geral, e a previsão é que seja finalizada apenas no mês que vem. De acordo com esses assessores, iniciativa teria sido motivada por reclamações de produtores rurais em estados como Bahia e Maranhão.
Para aumentar a chance de aprovação, o entorno do presidente defende que a medida seja apresentada só no ano que vem, para evitar que seja contaminada por oposição — sobretudo entre os partidos do centrão— a outro projeto de lei enviado recentemente pelo Poder Executivo.
Na semana passada, o presidente enviou ao Legislativo projeto de lei que garante o excludente de ilicitude a agentes de segurança pública durante operações de GLO.
O excludente de ilicitude é o dispositivo que abranda penas para agentes que cometerem excessos “sob escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. A iniciativa enfrenta forte resistência na Câmara dos Deputados.
“O GLO não é uma ação social, chegar com flores na mão, é chegar preparado para acabar com a bagunça. Mas se não querem, não estou ameaçando ninguém não, não tem problema. A caneta Compactor é minha. Não tem GLO. Ponto final”, disse Bolsonaro nesta segunda-feira.
A proposta do presidente para áreas rurais ocorre em meio ao aumento do número de invasões a terras indígenas no país. Elas cresceram durante os nove primeiros meses da atual gestão, segundo dados preliminares divulgados em setembro pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Em todo o ano passado, foram registrados 111 casos do tipo em 76 terras indígenas. Somente de janeiro a setembro deste ano, o número pulou para 160 invasões em 153 terras indígenas.
Leia mais sobre propostas do governo Bolsonaro envolvendo GLOs na pág. B4, de Cotidiano