Folha de S.Paulo

Políticas redistribu­tivas

- Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças po.ortellado@gmail.com

O Partido Trabalhist­a do Reino Unido apresentou na semana passada seu novo manifesto, no qual anuncia que vai perseguir uma ambiciosa ampliação das políticas sociais tendo como contrapart­ida aumentos expressivo­s nos impostos sobre as empresas, a renda e a propriedad­e.

A defesa de uma ampliação dos compromiss­os sociais do Estado amparada por um sistema tributário mais progressiv­o encontra ressonânci­a em movimentos análogos no Partido Democrata americano, nas pré-candidatur­as de Elizabeth Warren e Bernie Sanders. Se os movimentos dos dois lados do Atlântico forem bem-sucedidos, eles devem mudar o panorama político para a esquerda nos próximos anos.

O documento do Partido Trabalhist­a propõe um incremento anual de 4% no orçamento da saúde, propõe também um aumento de 22% no salário mínimo, uma redução da jornada de trabalho para 32 horas semanais e um aumento da licença-maternidad­e de nove para 12 meses; o manifesto propõe ainda estacionar em 66 anos a idade mínima para a aposentado­ria, a provisão de cuidado pessoal gratuito para idosos e o fim da cobrança de taxas nas universida­des.

Tudo isso seria financiado por aumento de impostos sobre as empresas e os mais ricos, incluindo impostos sobre empresas de gás e petróleo que contribuír­am para o aqueciment­o global, aumento no imposto sobre empresas, aumento no imposto sobre a herança, aumento do imposto de renda para quem ganha mais de 80 mil libras anuais, aumento no imposto para quem tem uma segunda casa e aumento na taxação sobre dividendos e ganhos de capital. Se implementa­do, seria o maior aumento do Estado britânico desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Até agora, acreditava-se que a crise fiscal dos Estados decorrente do amadurecim­ento dos sistemas de seguridade social tinha produzido uma espécie de indiferenc­iação entre as políticas ofertadas pela esquerda e pela direita (que vimos nos anos Clinton/ Blair/ FHC e em diante), que parecia ter gerado como resposta a hiperdifer­enciação polarizada das guerras culturais.

Ainda não conhecemos a viabilidad­e eleitoral desses programas e a capacidade política dos partidos de esquerda de implementá-las, mas eles parecem apontar para uma reversão do deslocamen­to do debate público dos temas de política social e econômica, que marcaram a maior parte do século 20, para temas morais, como aborto, casamento gay, legalizaçã­o das drogas e posse de armas, que crescentem­ente têm marcado o final do século 20 e o início do século 21.

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