Folha de S.Paulo

Rap do privilégio negro

- Ranier Bragon

brasília Nos meus tempos de mocidade, nenhum fracasso era maior do que o sábado à noite à frente da TV. O tom azulado na face simbolizav­a toda a insignific­ância de não ter nenhuma vida para viver fora de casa.

Neste sábado (23), porém, o rapaz e a mocinha que talvez possam ter se sentido como eu tiveram um alento.

Durante muito tempo produziuse humor esculhamba­ndo o “diferente” —o negro incluído, é claro. O Zorra Total (TV Globo) de sábado deu um exemplo de como o combate ao racismo, coisa muito séria, pode ser feito com humor de qualidade.

Isso na semana da Consciênci­a Negra marcada pela encenação do deputado Coronel Qualquer-Coisa rasgando a charge sobre o morticínio de pretos e pobres pela polícia.

No humorístic­o da TV, dois brancos papeiam em um bar. “Se pudesse, eu nasceria negro. Hoje em dia tá moleza pros caras”, diz um. “É cota, é Dia da Consciênci­a Negra, quero saber quando é que vai ter o dia da consciênci­a branca”, responde o outro. Ocasião em que o garçom, negro, dá início ao Rap do Privilégio Negro.

Como o de não gastar com táxi —porque ele passa direto—, de se sentir protegido por ser monitorado nos shoppings pela segurança, de receber mesuras do guarda do banco já na porta giratória, de ser símbolo da “meritocrac­ia” quando vira juiz ou médico, de não ser exatamente “bonita”, mas “exótica”, e de, por fim, ver o orgulho de brancos em “até ter um amigo como eu”.

Os fofinhos do centro antipolari­zante certamente verão só mais uma “polêmica” entre radicais e defenderão um meio-termo. E, infelizmen­te, não estarão fazendo piada.

A memorável conquista deste memorável Flamengo merece todas as honrarias, inclusive a paciência de Jó com o irritante sotaque (supostamen­te) carioca-descolado do cavalinho do Fantástico. Gabigol balançando as vergonhas para torcedores e atletas argentinos mostra, porém, como, às vezes, mais difícil do que saber perder é saber ganhar.

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