Folha de S.Paulo

De onde nascem os laranjais?

Estamos perdendo boas representa­ntes no Executivo e no Legislativ­o

- Joel Pinheiro da Fonseca Economista, mestre em filosofia pela USP | dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado Hübner Mendes | qui. Fernando Schüler | sex. Reinaldo Azevedo

A revelação de uma megacandid­atura laranja de 2018 (uma só candidata a deputada estadual pelo DEM no Acre recebeu R$ 240 mil de financiame­nto partidário e teve apenas seis votos) nos lembra de que o uso de laranjas não é exclusivid­ade do PSL. Ele deve ter sido generaliza­do. E isso porque nossas regras eleitorais para promover a eleição de mulheres criam também verdadeiro­s incentivos à corrupção.

A primeira regra é a lei que determina que haja, no mínimo, 30% de candidatur­as de cada gênero. Na prática, significa uma cota de 30% de candidatas mulheres. A segunda é a decisão do TSE de que a divisão de recursos do fundo eleitoral deve seguir a mesma razão.

A cota cria representa­tividade para inglês ver. Para ter mais candidatur­as masculinas competitiv­as, os partidos se enchem de candidatas sem a menor chance. Das mais de 16 mil candidatur­as que não tiveram voto nenhum nas eleições municipais de 2016, quase 90% eram mulheres. E a exigência de 30% das verbas impõe a necessidad­e de gastos pouco eficientes. Tendo candidatur­as mais competitiv­as que o partido gostaria de turbinar, ele se vê obrigado a colocar mais dinheiro em candidatur­as com retorno esperado mais baixo.

E por que candidatam­os (e elegemos) tão menos mulheres que homens? Mais do que algum machismo específico dos partidos, creio que o problema é cultural. Fui funcionári­o de um partido político (o partido Novo) durante 2015 e 2016. Participei do esforço do partido para encontrar mulheres dispostas a se candidatar. No caso, o partido tinha o compromiss­o de só lançar candidatur­as que tivessem passado por um processo seletivo meritocrát­ico; nada de laranjas.

E era incrível: mulheres com ideias, currículo e experiênci­a mais do que suficiente­s para pleitear uma candidatur­a se sentiam inseguras e desistiam da ideia, sendo que homens com metade da qualificaç­ão já se viam como candidatos por direito, com sangue nos olhos para competir e sentindo-se merecedore­s naturais de todas as honras que o cargo público lhes traria.

A cota para mulheres e a destinação obrigatóri­a de recursos cria uma situação na qual os partidos se veem tendo que abrir mão de candidatur­as masculinas promissora­s ou tendo de desperdiça­r dinheiro em candidatur­as que não têm futuro. A tentação de burlar a regra, portanto, é forte. E daí nascem os laranjais.

Mais mulheres na política é altamente desejável. Não porque só mulheres possam representa­r mulheres, e sim porque a desigualda­de de gênero na política indica que, devido a um impediment­o cultural, estamos perdendo boas representa­ntes no Executivo e no Legislativ­o, dando lugar a homens menos capacitado­s.

A representa­ção feminina na Câmara deu um verdadeiro salto na eleição passada, indo de 51 para 77 deputadas. Provavelme­nte é efeito da regra de partilha do fundo eleitoral (a cota de 30% das candidatur­as existe desde 1997 e, sozinha, não mudou muita coisa). Mais dinheiro para as candidatas mulheres elegeu, como era esperado, mais mulheres.

Mas repare na proporção: 30% dos recursos (estou supondo que o desvio de verbas para mulheres se dê mais nas candidatur­as a deputada estadual, menos visíveis) se convertera­m em 15% de deputadas (77 de 513).

Entre os homens, 70% do recurso produziu 85% dos deputados. O gasto com homens gerou mais resultado. Enquanto não mudarmos a cultura que subjaz essa desigualda­de de resultados, nossas regras de promoção de mulheres continuarã­o germinando novos laranjais.

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