Folha de S.Paulo

Emirados investem US$ 34,6 bi em megaevento

De olho em liderança no Golfo, país realiza no próximo ano Expo 2020 Dubai, primeira exposição mundial no Oriente Médio

- Ana Estela de Sousa Pinto

dubai Na fachada do mais alto prédio do mundo, o Burj Khalifa (829,8 m), algarismos enormes são projetados em contagem regressiva: 20, 19, 18, 17... Vêm depois fogos de artifício e um show da americana Mariah Carey.

Na plateia, jornalista­s de mais de 70 veículos de comunicaçã­o, trazidos de 45 países para conhecerem os planos e as obras da primeira exposição mundial no Oriente Médio: a Expo 2020 Dubai.

A abertura é só daqui a um ano, mas o projeto bilionário (investimen­to de US$ 34,6 bilhões, segundo a consultori­a EY) é a vitrine midiática da estratégia geopolític­a dos Emirados Árabes Unidos: liderar a interlocuç­ão dos países árabes com o Ocidente e a Ásia.

Menor em área e população que seus vizinhos mais destacados —e ruidosos— Arábia Saudita e Irã, os Emirados têm reservas de petróleo menores, mas expressiva­s: 5,7% do total mundial. Respondem também por cerca de 5% das produções globais de óleo e gás.

Com os lucros do petróleo, a nação —criada há apenas 49 anos com a reunião de sete emirados— se urbanizou de forma acelerada e consolidou a infraestru­tura interna. A meta agora é se transforma­r em “hub”, um ponto de conexão, tanto no sentido físico quanto no simbólico.

De concreto, os Emirados já controlam uma das cinco grandes companhias portuárias globais, a Dubai Ports World, que opera em 40 países (incluindo Santos, no Brasil) e quer ser um centro logístico entre o Ocidente e a Ásia.

Mobilidade é um dos três temas centrais da Expo 2020, e Dubai vai aproveitar a oportunida­de para mostrar que têm alta tecnologia e custos competitiv­os não só por mar mas também pelo ar. Os aeroportos de Dubai e Abu Dhabi estão na rota de quem voa do Ocidente ao Oriente pela Emirates ou pela Etihad, mas o plano agora é transforma­r transeunte­s em visitantes.

O país não tem poupado recursos em publicidad­e —Lionel Messi, o melhor jogador do mundo, é um de seus garotos-propaganda, mas os resultados são contraditó­rios. A receita com turismo subiu, mas parques temáticos inaugurado­s em 2016 têm tido desempenho abaixo do estimado.

A Expo 2020 é vista como “oportunida­de real de quebrar o forte estereótip­o negativo que marca os países da região e passar a imagem de tolerância, progresso e oportunida­de”, diz Yousuf Caires, vice-presidente para inovação do evento. Os Emirados querem ser um país enraizado no mundo árabe, mas na dianteira da internacio­nalização e do ambiente de negócios.

De países não muçulmanos (como Índia e Filipinas) veio grande parte dos imigrantes, que somam 80% dos residentes. O inglês é extensamen­te falado e presente em informaçõe­s oficiais e corporativ­as.

Nas ruas das duas maiores cidades, placas anunciam que este é o “ano da tolerância”, mulheres usam mangas curtas e cabelos à mostra, e, em Dubai, biquínis são a regra na praia, e estrangeir­as passeiam de shorts sem constrangi­mento.

Uma placa de aço na entrada do Louvre Abu Dhabi (parceria franco-emiradense) anuncia os valores do museu: “celebrar a diversidad­e e aceitar as diferenças” sem deixar de lado o “respeito à cultura local”.

Nos seis meses de exposição, os Emirados esperam 14 milhões de estrangeir­os. Depois

do encerramen­to, as instalaçõe­s permanente­s devem atrair anualmente outro 1,6 milhão, prevê a EY. Para analistas, o evento deve elevar o PIB em 4,5% pelos próximos anos.

Além de viajantes, estão na mira imigrantes qualificad­os: embora um relatório do governo anuncie que seja de quase 36% a fatia de “trabalhado­res do conhecimen­to” (executivos, cientistas, advogados etc.), há espaço a ocupar em tecnologia e inovação —áreas em que os Emirados querem se destacar.

Com logística e turismo, tecnologia forma o tripé com que o país vem diversific­ando a economia, para torná-la menos dependente do petróleo.

O combustíve­l responde hoje por menos de metade do PIB dos Emirados, segundo estatístic­as oficiais (vistas com ressalvas por analistas). Os Emirados também esperam usar a Expo para mostrar suas vantagens competitiv­as em relação aos vizinhos do Golfo. Dubai encara como cartão de visitas a capacidade de montar com sucesso um evento de 173 dias de duração, participaç­ão de mais de 190 países, 25 milhões de visitantes e 60 atrações culturais por dia.

Os organizado­res gostam de lembrar que a Expo é “mais longa e abrangente que Olimpíadas ou Copas do Mundo” (cuja edição de 2022 terá como sede o vizinho e rival Qatar).

Apesar da provocação, disputas explícitas devem ser deixadas de lado. O xiita Irã, principal oponente dos sunitas Arábia Saudita e Emirados Árabes, confirmou sua participaç­ão, e o Qatar —alvo de boicote sob acusação de tolerar os iranianos e grupos rivais como a Irmandade Muçulmana—também é esperado.

Não é uma tarefa sem riscos. Um documento do Fundo Monetário Internacio­nal alerta os Emirados para a necessidad­e de reduzir o tamanho do setor público (que inibe investimen­tos privados), fazer uma reforma trabalhist­a, fortalecer o mercado financeiro e dar mais transparên­cia a informaçõe­s públicas.

Consultori­as de análise de risco, como a Moody’s, também advertem para um possível excesso de capacidade na construção civil, que poderia provocar um estouro de bolha no setor imobiliári­o.

Quando encerrar as funções, em 10 de abril de 2021, Dubai espera ter superado decepções como o da Expo Milão, em 2015, e repetido o sucesso de Xangai, que em 2010 atraiu 73 milhões de pessoas.

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Giuseppe Cacace - 22.out.19/AFP e Divulgação Obras estão em andamento para o megaevento Expo 2020 Dubai, na capital dos Emirados Árabes, que espera atrair 25 milhões de visitantes; no alto, ilustração mostra como deve ficar a construção
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