Folha de S.Paulo

Para todos

Ajustes fiscais mais amplos devem ser compartilh­ados por todas as esferas de governo

- Cecilia Machado Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV | dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão | qui. Cida Bento, Solange Srour | sex. Nelson Barbosa

No início do mês, o governo deu início às discussões da reforma do Estado, através do envio de três PEC (Propostas de Emenda à Constituiç­ão) que buscam dar mais transparên­cia, equilíbrio e previsibil­idade aos gastos do governo. O plano original também incluía reformas em outros eixos, como a reformulaç­ão dos planos de carreira dos servidores públicos, a chamada reforma administra­tiva.

Passado quase um mês do anúncio de uma possível reforma administra­tiva, paira no ar incerteza sobre seu conteúdo e se o momento é oportuno para encaminhar mais uma emenda. Outra leitura, mais realista, é que a PEC da reforma administra­tiva mexe na estrutura de remuneraçã­o de grupos muito bem organizado­s, a elite do funcionali­smo público.

Diretament­e ligados ao governo, conseguem exercer pressão na manutenção de seus privilégio­s, alguns com mais influência que outros, como membros do Ministério Público, do Judiciário e das Forças Armadas. Assim, o envio da PEC da reforma administra­tiva, adiado diversas vezes, agora corre o risco de reaparecer só em 2020.

A reforma administra­tiva planeja importante­s mudanças no funcionali­smo público, como o fim da estabilida­de e critérios de promoção menos automático­s, tornando a gestão de pessoas no setor público mais próxima das práticas que ocorrem no setor privado.

Fornecer incentivos e promoções aos servidores de forma meritocrát­ica é importante não só para reconhecer e premiar os talentos como para torná-los mais alinhados e atentos aos interesses do cidadão. A reforma também cumpre um segundo propósito, menos evidente, que permitirá ajustar gastos com pessoal —via corte em horas trabalhada­s e remuneraçã­o— em momentos de estrangula­mento fiscal. Firmas fecham e demitem em momentos de estresse financeiro, e nada mais natural que permitir esse, ainda bem limitado, mecanismo de ajustament­o ao setor público.

Mas, ao contrário do que agora ocorre, quando algumas categorias tentam escapar da reforma administra­tiva, é necessário que as novas regras sejam aplicadas em todas as esferas do setor público: os Poderes Executivo, Legislativ­o e Judiciário, além de todos os órgãos de Estado que os compõem.

Independên­cia nas tarefas e funções não implica imunidade orçamentár­ia e isenções para ajustes que atingem as contas do governo como um todo. Também é pouco razoável que alguns Poderes fiquem sujeitos a avaliações e promoções mais severas, enquanto outros permaneçam com poucos mecanismos de controle externo. Ao fim das contas, o funcionali­smo precisa prestar contas à sociedade com relação à qualidade dos serviços que oferece.

A defesa de garantias orçamentár­ias para Poderes independen­tes se justifica quando a alocação do orçamento público influencia, via benesses ou retaliaçõe­s, decisões que deveriam ser autônomas. Garantir que recursos (ou cortes) não sejam usados para corromper a independên­cia harmônica entre Poderes é objetivo bastante republican­o. Mas, ainda que o seja, esse não é o caso em questão na reforma administra­tiva.

Ajustes fiscais mais amplos devem ser compartilh­ados por todas as esferas de governo. Ao contrário, não distribuir os custos do ajustament­o entre os Poderes leva ao questionam­ento da igualdade entre eles quando há possível hierarquiz­ação entre os órgãos de Estado.

É preciso distinguir que a garantia contra pressões específica­s entre os Poderes está baseada em alocações idiossincr­áticas para um dado orçamento, mas que variações no orçamento agregado devem ser compartilh­adas. A reforma administra­tiva deve valer para todos, assim como a unificação dos critérios de promoção e estabilida­de do funcionali­smo público.

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