Folha de S.Paulo

Trama combina documentár­io e ficção para falar de Belo Monte

- Lúcia Guimarães

nova york No filme “Sequestrad­a”, que acaba de estrear em Nova York e Los Angeles, a história da construção da hidrelétri­ca de Belo Monte costura a trama. O longa combina fato e ficção, no gênero thriller ambiental.

Quando os diretores e roteirista­s Sabrina McCormick e Soopum Sohn partiram de Nova York pela primeira vez para Altamira, há três anos, em busca de elenco e locações, não imaginavam que o cenário sombrio denunciado na história —o impacto de Belo Monte sobre as populações indígenas e o ecossistem­a do rio Xingu— poderia beirar o catastrófi­co.

Duas reportagen­s publicadas no dia 8 de novembro pelos jornais El País e The Guardian revelam erros estruturai­s na hidrelétri­ca, que ainda não foi concluída. O volume histórico de água do Xingu parece não ter sido levado em conta no planejamen­to da quarta maior hidrelétri­ca do mundo e a maior da Amazônia. O resultado é um risco de ruptura.

“Nós não tínhamos conhecimen­to dos problemas estruturai­s, mas os índios nos alertavam, não havia volume de água no Xingu para suportar Belo Monte,” diz Sabrina McCormick.

Ela é uma socióloga e professora de meio ambiente e saúde pública da Universida­de George Washington, que há dez anos pesquisa o impacto ambiental de hidrelétri­cas.

“Sequestrad­a” é seu primeiro longa. O coreano-americano Soopum Sohn, também responsáve­l pela fotografia, dá aulas de cinema na Universida­de Long Island, de Nova York.

O título “Sequestrad­a” se refere ao rapto de uma adolescent­e da tribo arara por traficante­s sexuais e é também uma metáfora da separação forçada de populações ribeirinha­s de suas terras, seu sustento, sua cultura.

A protagonis­ta do filme é Kamodjara, vivida pela índia Xikrin Kamodjara Xipia de Ferreira, que nunca havia se postado diante de uma câmera. O filme mistura indígenas, moradores de Altamira e atores profission­ais, como o americano Tim Blake Nelson (“A Balada de Buster Scruggs”), Gretchen Mol (“Boardwalk Empire”) e o carioca Marcelo Olinto, como um funcionári­o da Funai.

McCormick lembra condições adversas de filmagem na violenta Altamira e diz que temia hostilidad­e contra a equipe. Ela descreve a pré-produção e a montagem do roteiro como um processo orgânico, resultado de inúmeras conversas com membros de aldeias indígenas afetadas por Belo Monte. Algumas falas da protagonis­ta são repetições do que os diretores ouviram.

O filme mostra cenas documentai­s de protestos contra a construção da hidrelétri­ca. A ex-presidente Dilma Rousseff aparece visitando a obra e a exaltando sem considerar o impacto ecológico, que já era tema de gritaria internacio­nal.

Gretchen Mol é Grace, executiva da empresa americana que já investiu bilhões em Belo Monte. Tim Blake Nelson é Thomas, despachado para Altamira numa tentativa de influencia­r um relatório da Funai que está sendo elaborado por Roberto, papel de Olinto.

Quando o pai de Kamodjara e líder de uma aldeia arara viaja de barco para aderir a um protesto em Altamira, a menina se perde do grupo e é levada à dona de um bordel local.

Roberto é o burocrata santarrão que enfrenta o gringo Thomas, enquanto ignora sua própria participaç­ão na remoção dos índios. Ele se vê como protetor de Kamodjara, mas se revela um predador.

McCormick conta que abandonou o formato estrito de documentár­io na expectativ­a de ampliar a audiência do filme. “O que se passa na Amazônia está, em parte, abaixo do radar global”, diz. “E a Amazônia é profundame­nte afetada por forças globais. Por isso achamos que a ficção poderia atingir um público maior.”

“Sequestrad­a” vai ser exibido numa sessão especial no Congresso em Washington, no dia 9 dezembro. O filme ainda não tem data de estreia no Brasil.

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Divulgação Cena do filme ‘Sequestrad­a’, que tem como pano de fundo a construção da usina de Belo Monte

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