Folha de S.Paulo

Quanto pior, melhor

Uma crise estética hoje afeta inúmeras formas de expressão artística

- Manuela Cantuária Roteirista e escritora, faz parte da equipe do canal Porta dos Fundos | dom. Ricardo Araújo Pereira | seg. Claudia Tajes | ter. Manuela Cantuária | qua. Gregorio Duvivier | qui. Flávia Boggio | sex. Renato Terra | sáb. José Simão

Uma releitura da bandeira do Brasil, estampada com um olho humano, que deixa escapar uma lágrima. A obra de autor desconheci­do começou a ser difundida nas redes sociais em 2013, muitas vezes acompanhad­a pelo ambíguo subtítulo “luto pelo Brasil”.

Qualquer brasileiro com acesso à internet teve a sua retina levemente arranhada pelo “olho patriota”. A ilustração foi o prenúncio de uma crise estética que hoje afeta inúmeras formas de expressão artística.

No campo das artes plásticas, destacam-se instalaçõe­s infláveis como o icônico pato da Fiesp, o Pixuleco e o Super Moro.

Entre as performanc­es, a coreografi­a encenada em um flash mob pró-Bolsonaro em Fortaleza, no período das eleições, deixou seu legado de eterno constrangi­mento.

Falando em legado, o autor do funk “Proibidão do Bolsonaro”, MC Reaça, pode não estar mais entre nós, mas sua música segue perpetuand­o a misoginia que ele praticou em vida.

Já o setor audiovisua­l sentiu o impacto da atuação do deputado do PSDB Alexandre Frota, que recentemen­te publicou uma série de vídeos vestido de palhaço e ameaçando opositores. Não é o Coringa que o Brasil precisa, mas o Coringa que o Brasil merece agora.

Quando o assunto é design gráfico, impossível ignorar a substituiç­ão do Photoshop — um dos softwares mais utilizados para manipulaçã­o de imagens digitais— pelo Paint Brush do Windows 95 —uma ferramenta mais arcaica, perfeita para ilustrar o amadorismo e os retrocesso­s do atual governo.

O boom das camisas da CBF e o figurino de Zé Carioca adotado por Luciano Hang não deixam dúvidas de que a indústria da moda também foi influencia­da. Vi, com meus próprios olhos, um manequim em Copacabana usando um top com estampa militar e uma bandeira do Brasil enrolada em volta da cintura como se fosse uma minissaia.

Mas nada simboliza essa crise estética com mais precisão do que o mural de projéteis do partido Aliança pelo Brasil.

Os painéis feitos com cartuchos de munição de armas de alto calibre estão em alta. O presidente da República, Jair Bolsonaro, e o governador do estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, já foram retratados com essa técnica, que alude à necropolít­ica praticada por ambos.

Um partido que escolheu o número 38, o mesmo de um revólver, não poderia ser melhor representa­do. Seu logo de projéteis é um ataque à democracia, à população brasileira e às nossas retinas, que nunca estiveram tão vulnerávei­s.

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Silvis

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