Fala de Guedes sobre dólar e AI-5 provoca instabilidade
Moeda bate recorde, afeta juros futuros, e ministro é criticado por chefes de Legislativo e Judiciário
Comentário de Paulo Guedes (Economia) sobre o risco de o país ter outro AI-5 em caso de radicalização provocou fortes reações, institucionais e na economia, mesmo após o ministro dizer ontem que deseja apenas uma “democracia responsável”.
Na segunda (25), em Washington, ao comentar a onda de protestos em países da América Latina, Guedes classificou como “insanidade” o ex-presidente Lula convocar manifestações. “Não se assustem então se alguém pedir o AI-5”, concluiu.
Pouco antes, ele projetara a continuidade da alta do dólar. Ontem, a moeda americana fechou a R$ 4,241, novo recorde nominal, mesmo após duas intervenções do Banco Central. Queda maior dos juros em 2020 também foi revista pelo mercado.
Analistas consideram que o ministro calculou mal o impacto das declarações e provocou instabilidade política. A menção a risco de protestos no Brasil atrai desconfiança e inibe ainda mais o investimento de longo prazo, como em infraestrutura.
Guedes também foi criticado por Rodrigo Maia (DEMRJ), presidente da Câmara, e por Dias Toffoli, do STF. O deputado questionou a razão de o governo fazer uso recorrente do termo AI-5. Jair Bolsonaro evitou comentar o caso.
brasília e washington O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reagiram nesta terça-feira (26) à declaração do ministro Paulo Guedes (Economia) sobre a possível edição de um novo AI-5 no país em caso de radicalização de protestos de rua.
O Ato Institucional número 5 foi editado em 1968, no período mais duro da ditadura militar (1964-1985), resultando no fechamento do Congresso Nacional e renovando poderes conferidos ao presidente para cassar mandatos e suspender direitos políticos.
“O AI-5 é incompatível com a democracia. Não se constrói o futuro com experiências fracassadas do passado”, afirmou Toffoli, em Maceió.
Maia disse que o uso recorrente dessas ameaças por integrantes da gestão de Jair Bolsonaro gera insegurança sobre o intuito do governo.
“Tem que tomar cuidado, porque se está usando um argumento que não faz sentido do ponto de vista do discurso, e como não faz sentido, acaba gerando insegurança em todos nós sobre qual é o intuito por trás da utilização de forma recorrente dessa palavra.”
Já Bolsonaro não quis comentar a declaração. Ressaltou que o papel do ministro no governo é cuidar da política econômica e tergiversou ao dizer que preferia falar sobre o seu novo partido, o Aliança pelo Brasil. Caso o partido seja criado, o número da legenda na urna eletrônica deve ser o 38.
“Eu falo de AI-38. Quer falar de AI-38? Eu falo agora contigo. Quer o AI-38? Eu falo agora. Esse é meu número. Outra pergunta aí”, afirmou o presidente.
No início da noite, o portavoz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, disse que a declaração do ministro é uma questão “de caráter pessoal” e um assunto que já foi comentado. “O presidente vê o AI-5 como um evento histórico”, afirmou.
Na segunda (25), em Washington, nos EUA, Guedes afirmou que “não é possível se assustar com a ideia de alguém pedir o AI-5 diante de uma possível radicalização dos protestos de rua no Brasil”.
Nesta terça (26), em palestra na capital americana, Guedes voltou ao tema, classificou manifestações de rua como “uma bagunça, uma convulsão social” e pediu uma “democracia responsável” no país.
O ministro disse que as pessoas podem sair às ruas para reclamar seus direitos, desde que isso seja feito de forma pacífica. Senão, elas podem assustar investidores.
“Eu acho que devemos praticar uma democracia responsável. Sabe como jogar o jogo da democracia? Espere a próxima eleição. Não precisa quebrar a cidade. Acho que isso assusta os investidores, acho que não ajuda nem a oposição, é estúpido”, disse.
“Estamos transformando o Estado brasileiro. É um trabalho difícil. O que vocês estão ouvindo ‘é uma bagunça, convulsão social’, não prestem atenção. Há uma democracia vibrante, a democracia brasileira nunca foi tão forte, poderosa, vibrante, não há escândalo de corrupção, os crimes caíram.”
Frases que contrariam os princípios democráticas têm sido uma constante no governo Bolsonaro. O próprio presidente afirmou, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, em março deste ano, que “não houve ditadura no Brasil”. Para ele, como qualquer casamento, o regime teve alguns “probleminhas”.
A declaração de Guedes fazia referência à convulsão social e institucional em países da América Latina e a uma possível radicalização também no Brasil, que seria motivada principalmente por uma fala do ex-presidente Lula (PT), que, após ser solto, pediu “a presença do povo nas ruas”.
Segundo disse o ministro, declarações sobre a edição de um novo AI-5 no Brasil, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no fim de outubro, são uma reação a convocações feitas pela esquerda.
“Chamar o povo para a rua é de uma irresponsabilidade. Chamar o povo para rua para dizer que tem o poder, para tomar. Tomar como? Aí o filho do presidente fala em AI-5, aí todo mundo assusta, fala o que que é? [...] Aí bate mais no outro. É isso o jogo? É isso o que a gente quer? Eu acho uma insanidade chamar o povo para a rua para fazer bagunça. Acho uma insanidade”, disse Guedes.
As declarações do ministro provocaram reações em diferentes partidos, além de turbulências nos mercados.
A ex-senadora e ex-candidata à Presidência Marina Silva (Rede) disse que a fala de Guedes é “assustadora, irresponsável e muito grave”.
O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), afirmou ser “inadmissível que novamente se considere um novo AI-5 como caminho viável, agora por parte de um ministro de Estado”.
O parlamentar disse esperar de Paulo Guedes, “que tem tido o apoio do PSDB na aprovação de medidas que são importantes para o país, cautela nas suas colocações, pois têm repercussões no mercado financeiro e que resvalam em valores absolutos como a democracia”.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não chegou a divulgar nota sobre a declaração do ministro Paulo Guedes. No fim de outubro, ele havia criticado a fala de Eduardo Bolsonaro sobre um novo AI-5, classificando de “absurdo” ver um “agente político fruto do sistema democrático fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática”.
Já a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) saiu em defesa do ministro e disse, em rede social, que a fala dele foi distorcida.
“Ele não fez nenhum tipo de defesa de ditaduras ou de medidas como o AI-5. Ele alertou para a irresponsabilidade daqueles que estimulam conflitos (abertamente, aliás) e do impacto que esses estímulos podem ter nas pessoas”, afirmou. “A fala do ministro foi comedida e totalmente alicerçada no que está ocorrendo no Brasil e na América Latina.”
Diante da repercussão negativa das declarações de Guedes, o presidente orientou a equipe ministerial a não comentar o tema e a aguardar que ele perca força, como após a afirmação do deputado Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5.
Segundo relatos feitos à Folha, Bolsonaro foi informado de que o próprio ministro Paulo Guedes esclareceria publicamente a sua fala.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) protocolou uma representação na Comissão de Ética Pública da Presidência da República pedindo que sejam adotadas providências legais, sugerindo pena de advertência ou censura ética.
No mês passado, as declarações do filho de Bolsonaro sobre uma possível reedição do AI-5 no país provocaram forte reação de líderes do Congresso, governadores, dirigentes partidários, ministro do Supremo e do presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
As falas de Eduardo foram interpretadas por vários grupos como sinal de pretensões autoritárias. O presidente da República tentou atenuar as declarações do filho e negou um plano antidemocrático.
Mesmo após ser alvo de críticas, Eduardo, que é líder do PSL na Câmara, chegou a insistir mais duas vezes na exaltação à ditadura militar nas redes sociais. Mais tarde, pediu desculpas e negou a possibilidade de um “novo AI-5”.