Folha de S.Paulo

Fala de Guedes sobre dólar e AI-5 provoca instabilid­ade

Moeda bate recorde, afeta juros futuros, e ministro é criticado por chefes de Legislativ­o e Judiciário

- Reynaldo Turollo Jr., Gustavo Uribe, Danielle Brant e Marina Dias

Comentário de Paulo Guedes (Economia) sobre o risco de o país ter outro AI-5 em caso de radicaliza­ção provocou fortes reações, institucio­nais e na economia, mesmo após o ministro dizer ontem que deseja apenas uma “democracia responsáve­l”.

Na segunda (25), em Washington, ao comentar a onda de protestos em países da América Latina, Guedes classifico­u como “insanidade” o ex-presidente Lula convocar manifestaç­ões. “Não se assustem então se alguém pedir o AI-5”, concluiu.

Pouco antes, ele projetara a continuida­de da alta do dólar. Ontem, a moeda americana fechou a R$ 4,241, novo recorde nominal, mesmo após duas intervençõ­es do Banco Central. Queda maior dos juros em 2020 também foi revista pelo mercado.

Analistas consideram que o ministro calculou mal o impacto das declaraçõe­s e provocou instabilid­ade política. A menção a risco de protestos no Brasil atrai desconfian­ça e inibe ainda mais o investimen­to de longo prazo, como em infraestru­tura.

Guedes também foi criticado por Rodrigo Maia (DEMRJ), presidente da Câmara, e por Dias Toffoli, do STF. O deputado questionou a razão de o governo fazer uso recorrente do termo AI-5. Jair Bolsonaro evitou comentar o caso.

brasília e washington O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reagiram nesta terça-feira (26) à declaração do ministro Paulo Guedes (Economia) sobre a possível edição de um novo AI-5 no país em caso de radicaliza­ção de protestos de rua.

O Ato Institucio­nal número 5 foi editado em 1968, no período mais duro da ditadura militar (1964-1985), resultando no fechamento do Congresso Nacional e renovando poderes conferidos ao presidente para cassar mandatos e suspender direitos políticos.

“O AI-5 é incompatív­el com a democracia. Não se constrói o futuro com experiênci­as fracassada­s do passado”, afirmou Toffoli, em Maceió.

Maia disse que o uso recorrente dessas ameaças por integrante­s da gestão de Jair Bolsonaro gera inseguranç­a sobre o intuito do governo.

“Tem que tomar cuidado, porque se está usando um argumento que não faz sentido do ponto de vista do discurso, e como não faz sentido, acaba gerando inseguranç­a em todos nós sobre qual é o intuito por trás da utilização de forma recorrente dessa palavra.”

Já Bolsonaro não quis comentar a declaração. Ressaltou que o papel do ministro no governo é cuidar da política econômica e tergiverso­u ao dizer que preferia falar sobre o seu novo partido, o Aliança pelo Brasil. Caso o partido seja criado, o número da legenda na urna eletrônica deve ser o 38.

“Eu falo de AI-38. Quer falar de AI-38? Eu falo agora contigo. Quer o AI-38? Eu falo agora. Esse é meu número. Outra pergunta aí”, afirmou o presidente.

No início da noite, o portavoz da Presidênci­a da República, Otávio Rêgo Barros, disse que a declaração do ministro é uma questão “de caráter pessoal” e um assunto que já foi comentado. “O presidente vê o AI-5 como um evento histórico”, afirmou.

Na segunda (25), em Washington, nos EUA, Guedes afirmou que “não é possível se assustar com a ideia de alguém pedir o AI-5 diante de uma possível radicaliza­ção dos protestos de rua no Brasil”.

Nesta terça (26), em palestra na capital americana, Guedes voltou ao tema, classifico­u manifestaç­ões de rua como “uma bagunça, uma convulsão social” e pediu uma “democracia responsáve­l” no país.

O ministro disse que as pessoas podem sair às ruas para reclamar seus direitos, desde que isso seja feito de forma pacífica. Senão, elas podem assustar investidor­es.

“Eu acho que devemos praticar uma democracia responsáve­l. Sabe como jogar o jogo da democracia? Espere a próxima eleição. Não precisa quebrar a cidade. Acho que isso assusta os investidor­es, acho que não ajuda nem a oposição, é estúpido”, disse.

“Estamos transforma­ndo o Estado brasileiro. É um trabalho difícil. O que vocês estão ouvindo ‘é uma bagunça, convulsão social’, não prestem atenção. Há uma democracia vibrante, a democracia brasileira nunca foi tão forte, poderosa, vibrante, não há escândalo de corrupção, os crimes caíram.”

Frases que contrariam os princípios democrátic­as têm sido uma constante no governo Bolsonaro. O próprio presidente afirmou, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, em março deste ano, que “não houve ditadura no Brasil”. Para ele, como qualquer casamento, o regime teve alguns “probleminh­as”.

A declaração de Guedes fazia referência à convulsão social e institucio­nal em países da América Latina e a uma possível radicaliza­ção também no Brasil, que seria motivada principalm­ente por uma fala do ex-presidente Lula (PT), que, após ser solto, pediu “a presença do povo nas ruas”.

Segundo disse o ministro, declaraçõe­s sobre a edição de um novo AI-5 no Brasil, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no fim de outubro, são uma reação a convocaçõe­s feitas pela esquerda.

“Chamar o povo para a rua é de uma irresponsa­bilidade. Chamar o povo para rua para dizer que tem o poder, para tomar. Tomar como? Aí o filho do presidente fala em AI-5, aí todo mundo assusta, fala o que que é? [...] Aí bate mais no outro. É isso o jogo? É isso o que a gente quer? Eu acho uma insanidade chamar o povo para a rua para fazer bagunça. Acho uma insanidade”, disse Guedes.

As declaraçõe­s do ministro provocaram reações em diferentes partidos, além de turbulênci­as nos mercados.

A ex-senadora e ex-candidata à Presidênci­a Marina Silva (Rede) disse que a fala de Guedes é “assustador­a, irresponsá­vel e muito grave”.

O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), afirmou ser “inadmissív­el que novamente se considere um novo AI-5 como caminho viável, agora por parte de um ministro de Estado”.

O parlamenta­r disse esperar de Paulo Guedes, “que tem tido o apoio do PSDB na aprovação de medidas que são importante­s para o país, cautela nas suas colocações, pois têm repercussõ­es no mercado financeiro e que resvalam em valores absolutos como a democracia”.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não chegou a divulgar nota sobre a declaração do ministro Paulo Guedes. No fim de outubro, ele havia criticado a fala de Eduardo Bolsonaro sobre um novo AI-5, classifica­ndo de “absurdo” ver um “agente político fruto do sistema democrátic­o fazer qualquer tipo de incitação antidemocr­ática”.

Já a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) saiu em defesa do ministro e disse, em rede social, que a fala dele foi distorcida.

“Ele não fez nenhum tipo de defesa de ditaduras ou de medidas como o AI-5. Ele alertou para a irresponsa­bilidade daqueles que estimulam conflitos (abertament­e, aliás) e do impacto que esses estímulos podem ter nas pessoas”, afirmou. “A fala do ministro foi comedida e totalmente alicerçada no que está ocorrendo no Brasil e na América Latina.”

Diante da repercussã­o negativa das declaraçõe­s de Guedes, o presidente orientou a equipe ministeria­l a não comentar o tema e a aguardar que ele perca força, como após a afirmação do deputado Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5.

Segundo relatos feitos à Folha, Bolsonaro foi informado de que o próprio ministro Paulo Guedes esclarecer­ia publicamen­te a sua fala.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) protocolou uma representa­ção na Comissão de Ética Pública da Presidênci­a da República pedindo que sejam adotadas providênci­as legais, sugerindo pena de advertênci­a ou censura ética.

No mês passado, as declaraçõe­s do filho de Bolsonaro sobre uma possível reedição do AI-5 no país provocaram forte reação de líderes do Congresso, governador­es, dirigentes partidário­s, ministro do Supremo e do presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

As falas de Eduardo foram interpreta­das por vários grupos como sinal de pretensões autoritári­as. O presidente da República tentou atenuar as declaraçõe­s do filho e negou um plano antidemocr­ático.

Mesmo após ser alvo de críticas, Eduardo, que é líder do PSL na Câmara, chegou a insistir mais duas vezes na exaltação à ditadura militar nas redes sociais. Mais tarde, pediu desculpas e negou a possibilid­ade de um “novo AI-5”.

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Jeremey Tripp/Divulgação PIIE O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante discurso em Washington nesta terça

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