Sertanejo se rende à bachata, ritmo de bongôs e violões com som de guitarra
Ritmo caribenho, a bachata se estabelece no sertanejo mainstream e traz bongôs, romantismo e bordões como ‘Ai, bebê’
são paulo Gusttavo Lima veste um blazer vermelho brilhante ecalçasapertadas,comsapatos dedançaeumaposturadecantor romântico no clipe do single “Milu”. Enquanto bongôs dão a levada, ele canta sobre ficar caído no bar após ser iludido em um relacionamento.
Não que ele fizesse questão de esconder, mas no fim da primeira estrofe, Gusttavo não deixa dúvidas sobre a principal influência da música de trabalho. “What a bachata feeling!”, fala, em inglês, citando o ritmo da República Dominicana que nunca foi tão presente no sertanejo quanto em 2019.
Lançada em junho, “Milu” marca a entrada contundente deGusttavoLimanabachata.O gênero latino, derivado do bolero e trilha para danças, é definidopeloritmoconstanteepor violões que lembram guitarras.
A bachata já vinha fazendo a cabeça dos sertanejos desde o ano passado, mas ela nunca foi tão descarada no mainstream como nos últimos meses.
“Milu” está há 20 semanas como a faixa mais tocada nas rádios do país, chegando a 170 milhões de plays no YouTube.
Outra que está há meses entre as mais tocadas é “Quando a Bad Bater”, música de trabalho de Luan Santana, com 105 milhões de views no YouTube e nítida influência de bachata.
Mas não é de hoje que o ritmo que surgiu nos anos 1960, em cabarés, está presente na nossa música. “Nos anos 1990, Fagner gravou ‘Borbulhas de Amor’, tradução de ‘Burbujas de Amor’, do dominicano Juan Luís Guerra, de um disco dele que se chama justamente ‘Bachata Rosa’”, diz Breno Boechat, pesquisador do consumo de música sertaneja no Brasil.
O streaming, afirma Boechat, abriu espaço para os ritmos latinos no Brasil. O sucesso de nomes como Prince Royce e Romeo Santos na última década também contribuiu.
Romeo, referência máxima de Gusttavo, chegou a ser regravado por Cheiro de Amor e Lucas Lucco, em 2015, na faixa “Proposta Indecente”. No mesmo ano, Gusttavo Lima regravou “Fui Fiel”, arrocha do baiano Pablo, que ficou conhecido no ano anterior com o hit “Porque Homem Não Chora”.
“A gente chamava de bachata umavariaçãodoarrocha,para diferenciar o arrocha do sertanejo universitário do nordestino”, diz Marcos Borges, violonistas dos mais requisitados do sertanejo na última década.
Até dois anos atrás, afirma Borges, não se falava em bachata no sertanejo. “Se consolidou com o Gusttavo e, agora, todo mundo tem contato.”
Em comum, arrocha, bachata e sertanejo têm a sofrência como tema. Desde que ainda era “música caipira”, inclusive, o sertanejo se apropria de ritmos latinos, como o bolero.
“Depoisdosucessoderitmos como vaneira e arrocha, tivemos fases em que foi comum ver mistura com gêneros daqui, como funk e forró, e de fora, como o reggaeton, o bolero e agora a bachata”, afirma Boechat.
Sonoramente, contudo, a bachata tem características bastante reconhecíveis. “Você ouve e já percebe a percussão”,dizBorges.“Éapartemais marcante da bachata, que tem ritmo pulsante o tempo todo
—diferente do arrocha, que tem aquelas três batidas na marcação. Na bachata, o bumbo fica pulsando o tempo todo.”
Além dos bongôs, contudo, a bachata tem um elemento melódico marcante. Enquanto o arrocha tem a sanfona, o ritmo caribenho traz um som de guitarra que, na verdade, não vem de uma guitarra.
É uma adaptação, em que são inseridos captadores e cordas de guitarra em violões. “A sensação que tenho, acho que por uma questão financeira, é de que eles não tinham condição de comprar uma Gibson —a guitarra que queriam usar—, e faziam uma espécie de gambiarra”, diz Borges.
A instalação do captador, somada a efeitos de eco, acaba gerando tanto o som rouco das bases quanto os agudos dos solos e fraseados. Na bachata, aliás, os violões entram não só como preenchimento, mas também construindo arranjos nas partes cantadas.
“Essa cultura de pegar o violão e colocar captador de guitarra eles criaram lá. Agora, aqui, estão copiando”, diz Borges. “E lá também usam aquela palheta que fica no polegar.”
Os sons de bachata chegaram às mais ouvidas do país com Zé Neto & Cristiano, em “Largado às Traças”, de janeiro de 2018. Mas nada tão explícito quanto “Cem Mil”, single de Gusttavo de outubro de 2018.
“Brinco que o Luan foi o último invicto da música sertaneja a ceder à tentação da bachata”, diz Breno Boechat. Nos últimos anos, Luan vinha misturando seu sertanejo com pop rock e a música americana. “Viva”, seu disco recente, marca uma reaproximação do sertanejo com o que há de mais em alta na cena —a bachata.
Não é o caso de Gusttavo Lima, que tem seus guitarristas mais adaptados aos maneirismos do ritmo latino. Ele até incorporou elementos não musicais de Romeo Santos.
O cantor, apesar de americano, fez carreira como líder do grupo de bachata Aventura, um dos mais bem-sucedidos na América Latina. Hoje em carreira solo, ele vem fazendo até reggaeton, mas já se firmou como o principal nome da bachata moderna.
“Ele tem uma imagem muito forte de galã romântico, sedutor, com bordões que emplacaram, como o ‘Ay, chí chí’ e outras expressões que pegaram, como ‘El chico de las poesías’, ‘It’s your boy, Romeo’ e ‘Llora guitarra’”, diz Breno.
Gusttavo importou não só os figurinos, mas até os bordões. Em suas músicas, o brasileiro repete que “é o embaixador falando de amor” e “Ai, bebê”, além da tradução literal “Chora, guitarra”.
Mais que via de sucesso nacional, a bachata acaba sendo uma possibilidade de exportação para o sertanejo —gênero mais ouvido no Brasil, menos exportado que o funk.
É difícil prever se a moda será passageira. Fato é que a bachata, principalmente neste ano, ficou impregnada nas rádios e já se tornou característica natural da música sertaneja.
“Até hoje, muita gente só não conhece o nome ou acaba não percebendo que, por exemplo, o som que Henrique e Juliano faziam há sete anos não é nem de perto o que fazem agora”, diz Borges. “Apesar de continuarem fazendo sucesso.”