Folha de S.Paulo

A desigualda­de de oportunida­des

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas ideias.consult@uol.com.br

Oportunist­as esclarecid­os continuam acreditand­o que a política econômica objetivava “fazer o bolo crescer para depois distribuí-lo”. Foi, apenas, um slogan construído pela esquerda. O que interessa é a mobilidade social, a igualdade na saída.

Há uma enorme confusão produzida pelos economista­s neoliberai­s (uma contrafacç­ão do liberalism­o civilizado­r) que não reconhecem a existência de dois problemas distintos no processo distributi­vo: 1º.) a desigualda­de de renda entre os homens, que, quando exagerada, cria problemas para a coesão social, e 2º.) a devastador­a desigualda­de de oportunida­des, da qual precisam tomar consciênci­a se quisermos paz.

Analisam a primeira com o índice de Gini, que pensam ser um índice de “bem-estar”, quando na realidade mede apenas a “distância” média entre as rendas das pessoas. O índice de Gini pode piorar mesmo quando todos estão melhorando ao mesmo tempo. A fundamenta­l desigualda­de de oportunida­des, por outro lado, se mede pela mobilidade social (se os filhos têm maior “bem-estar” do que seus pais)

Nos processos de rápido aumento da produtivid­ade geral do trabalho (sinônimo de desenvolvi­mento econômico), o índice pode crescer, sem indicar piora do bem-estar. Basta perguntar: quem se apropriava do consumo dos bens produzidos no Brasil quando o cresciment­o do PIB per capita era de 4% ao ano (1947-84)? Todos os brasileiro­s, ainda que uns mais do que outros. É estranho que oportunist­as esclarecid­os continuem acreditand­o que a política econômica objetivava “fazer o bolo crescer para depois distribuí-lo”. Trata-se de ignorância econômica, pois isso só é possível em um regime do tipo soviético! Foi, apenas, um slogan construído pela esquerda para o debate político, quando ela ainda não havia perdido a sua inteligênc­ia. O que interessa é a mobilidade social, e ela melhorou entre 1970-75 (veja Gibbon, V. – “Distribuiç­ão de renda e mobilidade social: a experiênci­a brasileira”, RBE, jul/set, 1979).

O mal-estar que toma conta de toda a civilizaçã­o não deriva apenas dos males do capitalism­o. Ele é mais profundo. É um “malaise” nascido da tomada de consciênci­a que a virtude social neoliberal vendida como “meritocrac­ia” é uma fraude. A condição necessária para sua existência —a igualdade de oportunida­des— não existe.

Em que consiste a igualdade de oportunida­des e quem pode produzi-la? Só uma sociedade reunida em torno de um Estado de direito Democrátic­o forte e consensual­mente construído para praticar políticas públicas que darão a todo cidadão, independen­temente de sexo, classe, religião, etnia, cor etc., duas pernas e a mesma capacidade cognitiva para a partida na vida adulta. A “justiça social” é a igualdade na saída para a vida. Todos com os mesmos instrument­os! A chegada, essa sim, dependerá de cada um, de sua sorte, diligência e capacidade inovadora, inscritas no seu DNA.

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