Polícia prende brigadistas e faz buscas em Alter do Chão
Defesa nega acusações; operação também cumpriu mandado na ONG Saúde e Alegria
A Polícia Civil do Pará prendeu ontem quatro brigadistas de Alter do Chão, em Santarém, no Pará. Investigação de dois meses teria apontado indícios de que ONGs, entre elas a Brigada de Incêndio de Alter do Chão, provocaram a série de incêndios em setembro.
Mandados de busca e apreensão também foram cumpridos na sede do Projeto Saúde e Alegria, um dos mais reconhecidos da região. “É uma ação política para tentar desmoralizar as ONGs”, disse o coordenador da iniciativa, Caetano Scannavino.
“É uma situação kafkaniana, um pesadelo. O que a gente percebe é uma ação política para tentar desmoralizar as ONGs que atuam na Amazônia
salvador A Polícia Civil do Pará cumpriu na manhã desta terça (26) mandados de prisão preventiva contra quatro brigadistas de Alter do Chão, em Santarém, no Pará (a 1.231 km de Belém).
As prisões aconteceram no âmbito da operação Fogo do Sairé, que apura a origem dos incêndios que atingiram a região de Alter do Chão em setembro deste ano.
O fogo consumiu uma área equivalente a 1.600 campos de futebol e levou quatro dias para ser debelado por brigadistas e bombeiros.
De acordo com a Polícia Civil, uma investigação de dois meses apontou indícios de que ONGs, entre elas a Brigada de Incêndio de Alter do Chão, tenham atuado como causadoras do incêndio.
Foram presos Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner. Também foram cumpridos sete mandados de busca e apreensão.
Um dos mandados de busca foi cumprido na sede do Projeto Saúde e Alegria, uma das ONGs mais reconhecidas da região e que já recebeu vários prêmios por sua atuação na Amazônia. A polícia vasculhou computadores e documentos.
A ONG faz parte da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais e ganhou o Prêmio Melhores ONGs do Brasil junto com outras 99 organizações na semana passada.
Um dos presos, Gustavo de Almeida Fernandes é também gerente de logística do Projeto Saúde e Alegria.
“É uma situação kafkaniana, um pesadelo. O que a gente percebe é uma ação política para tentar desmoralizar as ONGs que atuam na Amazônia”, diz o coordenador do Projeto Saúde e Alegria, Caetano Scannavino. “Conheço os meninos da Brigada e todos me parecem pessoas comprometidas”, diz.
A polícia também cumpriu mandado e busca e apreensão na sede da Brigada de Incêndio de Alter do Chão e apreendeu documentos, computadores e equipamentos de combate a incêndio como abafadores, turbo sopro e uniformes.
Em nota, a Brigada de Alter do Chão disse que, desde 2018, tem atuado no apoio ao combate a incêndios florestais em parceria com o Corpo de Bombeiros e que ainda tenta entender o que motivou a prisão dos brigadistas.
“Estamos em choque com a prisão de pessoas que dedicam parte de suas vidas à proteção da comunidade, e certos de que qualquer que seja a denúncia ela será esclarecida e a inocência da Brigada e seus membros, reconhecida.”
A Brigada ainda afirmou que brigadistas têm contribuído desde o início com as investigações policiais e já haviam sido ouvidos pela Polícia Civil, fornecendo informações e documentos às autoridades policiais de forma voluntária.
O advogado Wlandre Leal afirma que a polícia inverteu a ordem do processo legal pedir a prisão dos brigadistas com a investigação em andamento. Ele defende que não há nenhum elemento que sustente um pedido de prisão preventiva: os quatro brigadistas não têm antecedentes criminais, possuem residência fixa e trabalho lícito. “É uma prisão desnecessária e abusiva.”
O Ministério Público Federal suspeita que um dos focos dos incêndios tenha começado em área invadida por grileiros nas margens do
Caetano Scannavino coordenador do Projeto Saúde e Alegria
Lago Verde, em uma região conhecida como Capadócia.
A área foi alvo de ocupações irregulares nos últimos anos, quando tentaram erguer no local um loteamento privado. A investigação da Promotoria, iniciada, em 2015, resultou em denúncia contra o fazendeiro Silas da Silva Soares por desmatamento ilegal. Ele foi condenado a seis anos e dez meses de prisão, mas está foragido há um ano. A defesa do fazendeiro nega as acusações.
Responsável pela investigação da Polícia Civil, o delegado José Humberto Melo Júnior afirmou que imagens, depoimentos e interceptações telefônicas apontam para a participação dos quatro brigadistas no incêndio de setembro.
“Está muito bem configurada a participação deles no início de alguns incêndios. Eles trabalhavam posteriormente no combate e faziam imagens. Eles vendiam essas imagens a organismos internacionais e obtinham lucro aí”, disse.
Ele ainda citou contratos destas entidades com a ONG WWF-Brasil, que teria comprado fotos dos incêndios por R$ 47 mil. Essas fotos teriam, segundo o delegado, sido usadas para obter doações internacionais, inclusive uma de US$ 500 mil do ator Leonardo DiCaprio. A WWF disse que não adquiriu nenhuma foto ou imagem da Brigada nem recebeu doação de DiCaprio.
Segundoodelegado,umadas provas é um vídeo publicado pelos brigadistas no YouTube. “Eles publicaram uma imagem de um local onde estão só eles e o fogo começando.”
Ainda de acordo com o delegado, a brigada obteve um financiamento de R$ 300 mil para os incêndios, mas teria declarado publicamente apenas o recebimento de R$ 100 mil. “Estamos querendo saber para onde foi o restante desse dinheiro”, disse Melo Júnior.
O advogado Wlandre Leal afirma que os diálogos captados pelas interceptações telefônicas não comprometem os brigadistas. “São meras conjecturas, ela [a polícia] pesquisou em Instagram e fundamentou o decreto de prisão preventiva em suposições.”