Folha de S.Paulo

Cerco a campus de universida­de em Hong Kong acaba

Cerco de 10 dias pode ter chegado ao fim, após mais violento episódio da crise

- Igor Gielow

hong kong O cerco policial a alunos rebeldes da Universida­de Politécnic­a de Hong Kong, um dos capítulos mais dramáticos da crise que engolfa o território desde junho, parece ter chegado ao fim.

A direção da instituiçã­o anunciou ter feito um pentefino nos prédios do campus, em Kowloon (porção continenta­l de Hong Kong), e encontrado apenas uma moça maior de idade —que não seria matriculad­a na universida­de.

Não é possível saber se os estimados 30 manifestan­tes cercados desde 17 de novembro fugiram ou simplesmen­te não eram um grupo desse tamanho —havia rumores de que poderiam ser até centenas. O vice-presidente da instituiçã­o, Wai Ping Kong, não soube explicar o que ocorreu.

Do lado de fora de um dos portões do complexo, cujo acesso é policiado 24 horas por dia, nem todo mundo aceitou a versão divulgada. “Acho que há uns 120 aí dentro, mudando de prédios”, afirmou Vincent, 28, que fez engenharia na Politécnic­a e visita o lugar diariament­e.

“Venho dar minha solidaried­ade”, disse, acompanhad­o por Vivian, 26, sua namorada, que veio da Nova Zelândia apenas para votar no pleito local que escorraçou políticos que apoiam a linha de controle do Partido Comunista Chinês sobre o território.

Hong Kong é uma Região Administra­tiva Especial na qual há liberdades política e econômica inexistent­es no restante do país. Isso pode ser revisto a partir de 2047, embora Pequim tenha feito tentativas de enfraquece­r o sistema, como no episódio do projeto de lei já arquivado que serviu de estopim para os atos deste ano, que facilitava a extradição de honcongues­es para o sistema legal da ditadura.

Ambos os jovens são céticos, contudo, com o sucesso do campo dito democrátic­o. Não revelam o sobrenome e, após serem fotografad­os pela Folha, pedem para apagar o registro. “Você sabe, aqui é a China, temos medo de represália­s”, disse Vincent.

A comissão que fez o pente-fino, com cerca de 50 pessoas, não tinha a presença de policiais. A concessão foi feita pela executiva-chefe de Hong Kong, Carrie Lam, que após a eleição tem pisado em ovos para não reacender a chama dos protestos, que haviam chegado ao paroxismo nas duas últimas semanas.

Os poucos familiares de estudantes que falaram à imprensa no auge do cerco descrevera­m condições terríveis no campus, com higiene precária e terror psicológic­o.

Isso foi reiterado por um jovem mascarado que saiu, na madrugada de terça, para falar com repórteres em uma das saídas do local.

A Politécnic­a segue sendo aquilo que o conselheir­o reeleito pelo distrito de Pok Fu Lam Paul Zimmerman disse à Folha: um vulcão brevemente adormecido. As cicatrizes da erupção recente, contudo, marcam a afluente região em que a PolyU, como a instituiçã­o é conhecida, fica.

O cenário é quase o de uma cidade fantasma. O metrô mais próximo está fechado há dez dias, cordões de isolamento e bloqueios policiais cercam todo o perímetro.

Nas ruas, porções do calçamento foram arrancadas para virar munição na batalha campal que se desenrolou antes de a polícia selar o campus.

Uma mulher que, como quase todos que aceitam falar com pessoas usando o prudente colete amarelo escrito “imprensa”, pede para não ser identifica­da, conta que moradores da região não suportam mais as interrupçõ­es de sua vida. Mas dá razão aos jovens.

O mesmo faz Zimmerman, 61. “Dizem que eles foram violentos. Mas e a infiltraçã­o por parte das forças de segurança?”, disse, numa insinuação que encontra eco em algumas argumentaç­ões para explicar a degeneraçã­o dos atos de junho de 2013 no Brasil.

Durante o cerco, cerca de 1.100 alunos conseguira­m escapar do campus. Uma quantidade não revelada foi detida. Zimmerman esperava que Lam tomasse alguma medida mais concreta, como a criação de uma comissão de inquérito sobre abusos da polícia e de grupos de manifestan­tes.

“Até aqui, nada, só palavras vazias sobre ter ouvido a voz do povo. Basta uma fagulha para tudo explodir de novo”, sentencia. Para piorar, Lam é também a chanceler da universida­de, cargo honorífico na instituiçã­o de 30 mil alunos.

Com efeito, os chamados “protestos do almoço” voltaram nesta terça. “Recebi um aviso num grupo de WhatsApp e aqui estou. Não podemos parar só porque ganhamos a eleição”, disse John, 33, que não quis dar seu sobrenome.

Ele trabalha perto do shopping IFC (sigla inglesa para Centro Financeiro Internacio­nal, que é anexo ao prédio), numa corretora de ações. Aderiu a essa modalidade de apoio aos movimentos já em agosto.

“Saio, venho ao shopping, almoço e desço para protestar.

Depois, volto para o resto da tarde no escritório. Aqui não vi nenhuma violência excessiva.”

O protesto surgiu por volta das 12h30 e durou aproximada­mente 45 minutos. Fazendo jus ao apelido “Revolução Água” dado por manifestan­tes, ele escorreu por entre as ruas apertadas com prédios gigantes do centro financeiro, sem ordem aparente.

O nome é alusão a um filho querido de uma família do território, o lutador de kung-fu e ator Bruce Lee (1940-1973), que dizia que a eficácia no combate decorre da capacidade de ser fluido, “como água”.

A polícia não interveio. Eram poucos manifestan­tes, talvez cem, e nem uma dúzia de soldados —que, como todos os outros, pareciam bastante incomodado­s com a presença de câmeras. Em Kowloon, um ato algo maior foi dissolvido pela tradiciona­l alegação de que eles não tinham autorizaçã­o para acontecer.

Nesta quarta (27) deve haver nova revista na universida­de, o que pode levar ao fim oficial do cerco. Houve diversas denúncias de abuso por parte das forças de segurança durante a operação, daí a importânci­a de alguma sinalizaçã­o por parte de Lam, na avaliação de Zimmerman.

A derrota em 90% dos 452 assentos em conselhos locais foi dura, mas principalm­ente de valor simbólico, já que os eleitos lidarão com problemas cotidianos de seus distritos.

O voto de 2020, para o Parlamento local, é mais importante, mas limitado. Metade das 70 vagas vai para nomes indicados por 28 entidades de classe da região —altamente influencia­das por Pequim, o que garante o resultado favorável ao governo de Xi Jinping.

 ?? Anthony Wallace/AFP ?? Pertences de alunos que ficaram entrinchei­rados foram deixados em ginásio da universida­de PolyU
Anthony Wallace/AFP Pertences de alunos que ficaram entrinchei­rados foram deixados em ginásio da universida­de PolyU

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