Folha de S.Paulo

Ineptos e autoritári­os

Menções governista­s ao AI-5 e incentivos ao uso da força letal provêm do mesmo substrato cesarista

-

Sobre a menção absurda de Paulo Guedes ao AI-5.

Paranoia, incompetên­cia e autoritari­smo se combinam e se reforçam no recente surto de barbaridad­es oriundas da gestão Jair Bolsonaro.

Um círculo de assessores próximos ao presidente difunde a ideia de que o Brasil estaria ameaçado por uma convulsão social incitada por adversário­s do governo, que chegaria aqui por algum contágio em relação ao que ocorre no Chile.

A hipótese —sem respaldo neste contexto em que trabalhado­res acabam de perder R$ 800 bilhões na Previdênci­a sem alarido— alimenta outro devaneio bolsonaris­ta, de que seria necessário e possível ativar mecanismos cesaristas de defesa contra o perigo imaginário.

“Não se assustem se alguém pedir o AI-5”, disse durante passagem por Washington o ministro Paulo Guedes (Economia). À sua maneira atrapalhad­a e agressiva, deixou expostos os andaimes da teoria conspirató­ria que circula no Executivo.

Ali se trata o direito legítimo da oposição de organizar protestos de rua, desde que pacíficos, como “irresponsa­bilidade” e desejo de “quebrar tudo”. Guedes, além disso, tenta lançar na esquerda minoritári­a no Congresso a culpa, que é da inépcia parlamenta­r do ministro e do governo, pelas dificuldad­es na aprovação de novas reformas.

No dia seguinte, voltou ao tema numa espécie de remendo mal ajambrado às declaraçõe­s anteriores. “Acho que devemos praticar uma democracia responsáve­l”, declarou, referindo-se mais uma vez a supostas quebradeir­as urbanas.

A alusão ao ato que em 1968 inaugurou a fase de violações mais brutais dos direitos humanos na ditadura militar conota o repertório autoritári­o de que Jair Bolsonaro e seguidores jamais se afastaram — outro exemplo recente foi a sugestão do mandatário de usar a Lei de Segurança Nacional contra Lula.

Ninguém compromiss­ado com o Estado democrátic­o de Direito deveria deixar passar manifestaç­ões desse tipo sem o devido repúdio. Foi o que fizeram, de modo contundent­e, os presidente­s da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, entre outras lideranças.

Oportuna também foi a abertura nesta terça (26) de processos no Conselho de Ética contra o deputado federal Eduardo Bolsonaro, primeiro a cogitar em público o recurso ao instituto ditatorial.

Menos tosca, mas igualmente preocupant­e, tem sido a ofensiva do presidente da República para incentivar o uso da força letal por policiais, militares e cidadãos.

Essas propostas brotam do mesmo substrato de ideias delirantes que vez ou outra expele uma menção ao AI-5 pela garganta dos mais desaforado­s. São todas filiadas ao arbítrio e por isso não têm guarida no pacto democrátic­o de 1988.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil