Folha de S.Paulo

Descaso ensurdeced­or

Volume de queixas indica que a Prefeitura de SP precisa aplicar maior rigor contra a poluição sonora

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Acerca de poluição sonora na cidade de São Paulo.

Uma explicação evolucioni­sta para a qualidade contagiosa dos bocejos reza que eles servem para sincroniza­r o ciclo de sono e vigília em grupos humanos, desde o tempo das cavernas. Numa cidade de 12 milhões de habitantes, há muito isso se tornou impossível.

Nessa megamultid­ão sempre haverá notívagos e madrugador­es, os que podem dispor da noite para divertir-se e os que precisam padecer horas a fio em meios de transporte para chegar ao trabalho.

Sem chance de coordenar suas atividades, resta torná-las compatívei­s por meio de regras de convivênci­a, e compete ao poder público garantir seu cumpriment­o.

Dormir bem, afinal, constitui direito do cidadão. O sono é imprescind­ível para recuperar o corpo de fadigas e até para a mente fixar coisas aprendidas durante o dia, mas quem consegue adormecer e descansar na metrópole barulhenta?

Poucos saberão, mas vigora em território paulistano uma norma que estipula o máximo de 60-65 decibéis de ruído no período diurno e 50-55 no noturno, a depender da classifica­ção urbana da área. Uma conversa em tom de voz normal alcança cerca de 60 decibéis.

O limiar legal para a madrugada fica pouco acima do volume recomendad­o pela Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), 40 decibéis, o equivalent­e a uma conversa em voz baixa. Já seria o bastante para muitos moradores sonharem acordados com o que lhes pareceria uma dádiva.

A iniciativa Mapa do Ruído, por exemplo, já mediu 92 decibéis em ruas do Brás. O munícipe conta com um serviço de denúncias e reclamaçõe­s da prefeitura, pelo telefone 156, mas as 440 multas aplicadas neste ano pelo programa Psiu não parecem surtir muito efeito.

Considere-se o bairro de Santa Cecília, primeiro no ranking das queixas. Só em 2019 acumularam­se 595 reclamaçõe­s —sinal de que o poder público se mostra inoperante diante das infrações.

As próximas vítimas do descaso ensurdeced­or são os moradores de Pinheiros, que fizeram 511 denúncias neste ano, a maioria motivada por excessos da noite na badalada Vila Madalena.

A gastronomi­a e a vida noturna de São Paulo constituem um patrimônio cultural da metrópole, não se discute. Há que fiscalizar e punir com mais rigor, no entanto, quem as utiliza como álibi para perturbar o sono alheio. À prefeitura cabe infligir dor ao bolso de quem gosta de arruaça.

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