Folha de S.Paulo

Uber com tornozelei­ra

- Ruy Castro

rio de janeiro De carona com amigos, vi-me outro dia a bordo de um veículo que não costumo frequentar: um Uber. Sou passageiro de táxis e, nas poucas vezes em que adentrei um Uber, algo aconteceu. Ou tive de abandoná-lo porque o motorista não sabia o caminho —e também não sabia decifrar o GPS—, ou ele cometeu uma barbeirage­m que me fez achar mais prudente descer. Além disso, as jamantas pretas e de vidros escuros que constituem a frota do Uber me lembram carros funerários. E seus motoristas, com aqueles ternos mortuários, parecem papa-defuntos.

Por estar sentado no banco do carona, não pude deixar de observar quando, numa manobra mais brusca do motorista com os pedais, a perna direita de sua calça se levantou deixando à mostra um objeto preto, de plástico, preso por uma alça à sua canela —uma tornozelei­ra eletrônica. O objeto estava sobre a pele, com a meia arregaçada. Ele se viu exposto e tentou ajeitar a calça.

Fiz-me de bobo. Se o sujeito estava de tornozelei­ra devia ser um condenado a regime semiaberto. Ou podia estar solto temporaria­mente, por falta de vaga nos presídios. Nos dois casos, era alguém que tinha seus deslocamen­tos monitorado­s e enviados para uma central. Fiquei me perguntand­o qual seria o seu crime —corrupção passiva, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha? Ou algum dos mais tradiciona­is, como latrocínio, estupro, pedofilia?

Já o imaginei encostando o carro às 18 horas e rumando para a prisão, com seu pijama, escova de dentes e toalha, para passar a noite. E, no dia seguinte, saindo e retomando o Uber para nos transporta­r.

Graças à liberalida­de do prefeito Marcelo Crivella, há 250 mil Ubers no Rio —muitos em mãos de qualquer um— contra apenas 32 mil táxis amarelinho­s dirigidos por motoristas experiente­s e legalizado­s. Absurdo? Não. É normal. É só mais uma medida de Crivella contra a cidade que ele detesta governar.

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