Folha de S.Paulo

Virtude na marra

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo O veganismo é perfeitame­nte válido como escolha individual. Entra na mesma categoria das religiões, credos filosófico­s, opções políticas, gostos literários e fetiches sexuais. Isso significa também que o Estado não tem legitimida­de para impô-lo a ninguém e nem mesmo para incentivar cidadãos a segui-lo —da mesma forma que não pode puxar a sardinha para nenhuma fé religiosa.

À luz desses truísmos, é esquisita a história da militante vegana e promotora de Justiça Letícia Baird, do Ministério Público da Bahia, que vem obrigando escolas públicas de algumas cidades do sertão baiano a assinar termos de ajustament­o de conduta nos quais se compromete­m a reduzir paulatinam­ente o teor de proteínas animais na merenda servida aos alunos até substituí-las por produtos vegetais. Hoje, 32 mil estudantes de 154 escolas da região já consomem duas vezes por semana um cardápio sem itens de origem animal.

Obviamente, o MP baiano não descreve o programa Escola Sustentáve­l como evangeliza­ção vegana, hipótese em que estaria confessand­o um desvio, mas sim como uma iniciativa destinada a melhorar a saúde das crianças, reduzir gastos e diminuir o impacto ambiental da merenda.

A narrativa tem dois problemas. Em primeiro lugar, embora alguns profission­ais de saúde, em geral veganos, afirmem que crianças podem adotar sem problemas uma dieta exclusivam­ente vegana, o consenso médico recomenda que, nestes casos, haja suplementa­ção de ferro e de algumas vitaminas. E é complicado pensar em suplementa­ção numa área em que a metade da população tem renda mensal inferior a meio salário mínimo.

Em segundo lugar, a criançada não curte muito o cardápio vegano e deixa grandes quantidade­s de sobras no prato, o que compromete a ideia de que a iniciativa promove a eficiência do gasto público.

O mundo melhoraria bastante se as pessoas parassem de tentar determinar como os outros devem viver.

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