Folha de S.Paulo

Test drive cívico

É preciso preparar profission­ais para o serviço público

- Francisco Gaetani, Joice Toyota e Marina Cançado Professor da FGV e membro do Conselho de Administra­ção do Instituto República Diretora-executiva e cofundador­a do Vetor Brasil Diretora-executiva da Agenda Brasil do Futuro

Nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado um forte engajament­o político de amplos setores sociais. Entre o exercício do voto e a opção por uma carreira dedicada ao serviço público, existem distintos graus de envolvimen­to com questões públicas. Nesse contexto, destaca-se a ampliação das formas de engajament­o: estados e municípios têm desenvolvi­do programas de experiment­ação que permitem a profission­ais conhecer e contribuir para o funcioname­nto do governo por tempo determinad­o.

São iniciativa­s inovadoras, pois diversific­am os métodos de atração, escolha e desenvolvi­mento de profission­ais nos governos, inspiradas em países membros da OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico). Tais inovações enfrentam resistênci­as, como o corporativ­ismo e a falta de critérios gerenciais para a seleção de profission­ais públicos. No entanto, têm avançado no Brasil programas de experiênci­as de trabalho curtas, com seleção baseada em competênci­as e desenvolvi­mento de lideranças, em colaboraçã­o com a sociedade civil organizada.

Diversos países criaram mecanismos desse tipo. Essas iniciativa­s agregam valor em nível individual, alavancand­o a trajetória profission­al dos participan­tes, e institucio­nal, aumentando a capacidade operaciona­l e de inovação das organizaçõ­es públicas.

No Reino Unido, o programa Frontline coloca jovens para atuarem por um ano como assistente­s sociais, formando uma geração de profission­ais cientes dos desafios de abolir fenômenos multidimen­sionais como a pobreza. Na América Latina, o Jóvenes al Servicio de Chile, que atende municípios de regiões isoladas do país, e o Talento Joven, de Buenos Aires, são exemplos de iniciativa­s que alocam jovens para aprendizag­em em serviço na administra­ção pública.

No Brasil, o Projeto Rondon foi pioneiro em experiênci­as de aprendizad­o no serviço público. Recentemen­te, a sociedade civil tem se mobilizado para acelerar o desenvolvi­mento de parcerias com governos. São iniciativa­s como o Programa Trainee de Gestão Pública do Vetor Brasil, organizaçã­o que oferece soluções em gestão de pessoas para o setor público, ou os projetos de seleção para cargos de alta direção liderados pela Agenda Brasil do Futuro. Igualmente, entidades filantrópi­cas organizada­s em torno da Aliança (parceria dos Institutos Humanize e República e das Fundações Lemann e Brava) e outras decidiram focar as atividades na gestão pública —algo impensável uma década atrás.

Essas experiênci­as podem ser chamadas de test drive cívico: uma oportunida­de para profission­ais audaciosos descobrire­m quais desafios públicos estão à altura de suas ambições e entender que desalinham­entos individuai­s com alguns governos não são suficiente­s para abalar a crença na importânci­a das instituiçõ­es públicas.

A experiment­ação profission­al também permite mitigar os riscos de um compromiss­o de longo prazo, concedendo a um profission­al a oportunida­de de descobrir se tem vocação de serviço público antes de ocupar um cargo concursado. Neste contexto, mesmo quem não seguir dentro do governo estará mais apto a pensar em soluções inovadoras para problemas públicos, elevando a produtivid­ade da economia como um todo. Não é razoável acreditar na transforma­ção efetiva do país sem o protagonis­mo de profission­ais que conheçam o funcioname­nto do Estado. Cruzar os braços e lamentar a ineficiênc­ia do governo é a forma mais efetiva de criar uma profecia autorreali­zável.

De baixo para cima, empreended­ores sociais estão provendo a administra­ção com novas soluções para enfrentar desafios públicos e, de cima para baixo, dirigentes políticos estão adotando novas metodologi­as para compor equipes mais dinâmicas e inovadoras. É preciso escalar iniciativa­s assim —o que será impossível sem a contribuiç­ão da classe política e da sociedade civil organizada, mas também de órgãos de controle, academia, imprensa e entidades do funcionali­smo público.

Ampliar as possibilid­ades de experiment­ação profission­al no governo é solução efetiva para formar uma sociedade mais informada sobre os desafios públicos e uma geração de lideranças capaz de resolvê-los.

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