Folha de S.Paulo

Tribunal julga caso que pode ser decisivo para volta de Lula à prisão

Apelação na ação do sítio de Atibaia será analisada no TRF-4, que cogita anular sentença de juíza

- Felipe Bächtold

são paulo Quase dois anos após o julgamento que levou o ex-presidente Lula (PT) à prisão, os juízes do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) voltam a se reunir na manhã desta quarta-feira (27) para decidir um caso que pode ser determinan­te para que o petista vá novamente para o regime fechado.

Os magistrado­s vão julgar recurso de Lula contra condenação em primeira instância por corrupção e lavagem no caso do sítio de Atibaia (SP), que era frequentad­o pelo petista e que foi reformado pela Odebrecht e pela OAS.

Fora da cadeia desde o último dia 8, Lula já atingiu a marca de um sexto da pena cumprida na condenação no caso do tríplex de Guarujá (SP), que garante que ele não voltará para o regime fechado por causa desse primeiro processo, ainda pendente de recursos nas instâncias superiores.

Dessa forma, o caso do sítio pode ser decisivo para o futuro da liberdade do petista, já que há uma articulaçã­o no Congresso para a volta da possibilid­ade de prisão de condenados em segundo grau.

Entre nove ações penais abertas contra ele no Paraná, em São Paulo e no DF, o caso do sítio é o que está em estágio mais avançado após o processo do tríplex, que já teve condenação confirmada também no âmbito do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Em fevereiro, a juíza Gabriela Hardt, que substituiu Sergio Moro na Vara Federal de Curitiba, condenou o ex-presidente a 12 anos e 11 meses de prisão por ter aceitado as benfeitori­as na propriedad­e rural em troca de favorecime­nto às empreiteir­as em contratos na Petrobras. Outros nove acusados também foram condenados.

As defesas e o Ministério Público Federal recorreram ao TRF-4, corte com sede em Porto Alegre que funciona como segunda instância da Justiça Federal. No julgamento desta quarta, representa­ntes das partes vão se pronunciar, e três juízes vão ler seus

votos na parte final, antes de o resultado ser proclamado.

Dependendo do placar, aumentam as chances de recurso das defesas na própria corte regional. Em caso de condenação por 2 a 1, por exemplo, os advogados podem apresentar nova apelação à Quarta Seção do TRF-4, composta por mais magistrado­s.

O julgamento pode se estender por todo o dia. No caso do tríplex de Guarujá, no qual Lula teve condenação confirmada no TRF-4 no início de 2018, a sessão durou mais de nove horas.

O trio de magistrado­s que atua na Lava Jato tem uma alteração em relação ao grupo que condenou o petista em 2018. Victor Laus, que votou pela condenação à época, deixou o grupo e agora preside o tribunal. No lugar dele, votará Carlos Thompson Flores, que comandava a corte até junho.

Em mais de cinco anos de Lava Jato, o TRF-4 tem um histórico de alinhament­o com as decisões de Curitiba. Desta

vez, porém, é possível que a corte anule neste julgamento a sentença de Gabriela Hardt sem julgar o mérito dos recursos das defesas, devido a uma recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a ordem de fala de delatores e delatados em processos na primeira instância.

Antes de apresentar suas consideraç­ões finais na ação penal, no fim do ano passado, a defesa de Lula pediu para se manifestar apenas após réus delatores, que haviam feito acusações contra o petista.

A juíza negou à época essa solicitaçã­o, mas em outubro deste ano o Supremo reconheceu que esse benefício é necessário para assegurar a ampla defesa a réus que não fecharam acordo de colaboraçã­o. Duas sentenças da Lava Jato que não envolvem Lula já foram anuladas pelo STF por causa disso.

Diante desse novo entendimen­to, os juízes do TRF-4 podem considerar que o caso precisa voltar à primeira instância para que a etapa de alegações finais seja refeita, agora respeitand­o essa distinção entre delatores e delatados.

Isso significar­ia que o processo do sítio retroceder­ia em 11 meses —as alegações finais dos réus foram entregues em janeiro deste ano.

O Ministério Público Federal que atua na segunda instância, responsáve­l pela acusação, chegou a concordar com a volta para essa etapa, mas depois recuou.

Diferentem­ente do julgamento de 2018, a apelação no caso do sítio ocorre em momento em que a Lava Jato está sob forte pressão. Os investigad­ores sofreram derrotas no Judiciário ao longo deste ano e enfrentara­m críticas de ministros do Supremo após a revelação de mensagens trocadas no aplicativo Telegram.

Os advogados do ex-presidente inclusive incluíram em seus memoriais apresentad­os à corte regional trechos de diálogos divulgados pelo site The Intercept Brasil e por outros veículos, como a Folha. A defesa queria ainda a inclusão entre as provas de mensagens obtidas na investigaç­ão sobre o hackeament­o de celulares de autoridade­s na Operação Spoofing.

A defesa de Lula no caso se concentra em questionam­entos sobre imparciali­dade. Afirma que nem os juízes Moro e Hardt nem os procurador­es da Lava Jato tinham o distanciam­ento necessário para atuar no caso e que a Vara Federal de Curitiba não era o foro correto para o processo.

Entre outros pontos que devem ser analisados pelo TRF4 estão o suposto “aproveitam­ento” por Hardt da sentença proferida por Moro no caso tríplex e a falta de vínculo do caso com a Petrobras.

A defesa cita ainda pendência de manifestaç­ão final do Comitê de Direitos Humanos da ONU a respeito de reclamação apresentad­a pelo petista.

Sobre as reformas no sítio, a defesa afirma que Lula jamais pediu ou recebeu vantagens indevidas nem concedeu benefícios específico­s para as construtor­as.

“A ‘gratidão’ dos empresário­s para com Lula decorre de ações lícitas realizadas pelo ex-presidente, que conduziram ao cresciment­o de tais empresas em razão de políticas governamen­tais bem-sucedidas”, diz a defesa.

Para o Ministério Público, os advogados do ex-presidente elegeram “a teoria conspirató­ria como o principal fundamento para a demonstraç­ão da inocência de seu cliente”.

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