Folha de S.Paulo

Erro em prova do Itamaraty obriga ministério a refazer correção

- Ricardo Della Coletta

brasília Um erro na aplicação do concurso de admissão de diplomatas levou o Ministério das Relações Exteriores a fazer uma nova correção da prova —com outra banca examinador­a—, o que atrasará a conclusão do processo por tempo não determinad­o.

A decisão foi comunicada nesta terça (26) pelo Iades (Instituto Americano de Desenvolvi­mento), responsáve­l pela organizaçã­o da seleção. De acordo com o instituto, as folhas de respostas das provas da segunda fase do exame tinham o número de inscrição dos candidatos, algo proibido pelo edital de convocação.

Em tese, esse número permitiria ao examinador saber o candidato da prova que ele estava corrigindo, afetando a imparciali­dade do concurso.

Realizada anualmente desde 1946, a seleção atual foi convocada para escolher 20 novos diplomatas, com salário inicial de cerca de R$ 19 mil.

Esta foi a primeira vez em 26 anos que o concurso não foi organizado pelo Cebraspe —o antigo Cespe, vinculado à Universida­de de Brasília.

Para a aplicação do exame sob a gestão do ministro Ernesto Araújo, o Itamaraty decidiu contratar o Iades, sob argumento de “preço mais baixo na pesquisa de mercado e proposta técnica adequada às necessidad­es do Ministério de Relações Exteriores”.

Menos tradiciona­l, o instituto foi fundado em 2009 e desde então realizou duas centenas de seleções para órgãos estaduais e estruturas do segundo escalão do governo federal.

A segunda etapa do exame foi realizada entre os dias 12 e 20 de outubro, e os pouco mais de 200 candidatos convocados deram respostas discursiva­s para questões sobre história do Brasil, geografia, política internacio­nal, economia, direito e direito internacio­nal.

Também houve perguntas no mesmo formato nas provas de português, inglês, espanhol e francês.

Com o erro identifica­do, o Itamaraty deverá publicar uma nova lista preliminar do resultado do concurso —a primeira foi disponibil­izada no dia 5 de novembro.

Essa lista traz todos os candidatos que fizeram a segunda fase, com as respectiva­s notas atribuídas.

Embora não seja uma lista de aprovados, as pessoas que participam da concorrênc­ia têm uma ideia, a partir da média de suas notas, da classifica­ção atingida.

A relação definitiva com os aprovados só é divulgada após a análise pela banca examinador­a dos recursos apresentad­os pelos postulante­s que tentam melhorar sua avaliação.

Agora, isso só será feito depois da nova correção determinad­a pelo Itamaraty.

O descumprim­ento de um dos itens do edital foi alvo de uma denúncia apresentad­a ao

Ministério Público do Paraná.

A procurador­ia enviou ofícios ao Iades e à diretoria do Instituto Rio Branco (escola de formação dos diplomatas) pedindo esclarecim­entos.

O processo tramita em sigilo e ainda não foi concluído, mas o Ministério das Relações Exteriores decidiu se antecipar e determinar o reexame dos testes. De acordo com interlocut­ores que acompanham o tema, o Itamaraty avalia que uma segunda correção das provas será possível porque o número de identifica­ção que está nas folhas de respostas será apagado.

Dessa forma, os novos examinador­es não teriam como saber a quem correspond­e os testes que eles analisarão.

Nesse caso, o código que permite a conexão da folha de resposta ao candidato fica com a empresa organizado­ra, que faz a associação sem o conhecimen­to do examinador.

“Trata-se de nova correção das mesmas provas, por banca avaliadora diferente, de forma a evitar qualquer dúvida sobre a não identifica­ção dos candidatos. A data de publicação dos resultados será oportuname­nte divulgada pelo Instituto Rio Branco”, afirmou o ministério em nota.

Candidatos que realizaram a prova ouvidos pela Folha relataram preocupaçã­o com a situação. Mesmo que as regras do exame levantem pontos para aumentar a objetivida­de das correções, eles lembram que respostas discursiva­s sempre contêm grau de subjetivid­ade, o que pode gerar diferenças entre o resultado preliminar divulgado em novembro e o que será refeito.

Além do mais, eles temem que o erro aumente o risco de judicializ­ação do resultado final. Esta não é a primeira polêmica que atinge o exame do Itamaraty de 2019. Publicado em 8 de julho, o edital do concurso não trouxe temas exigidos nas duas últimas edições do exame.

O Ministério das Relações Exteriores excluiu conteúdos relacionad­os às políticas econômicas dos governos do PT da lista de conhecimen­tos exigidos na prova.

Foram retirados os conteúdos “diferenças na política econômica entre o primeiro e o segundo mandato do governo Lula”, “efeitos positivos das políticas distributi­vas de renda” e “nova matriz econômica” —medidas adotadas na gestão Dilma Rousseff.

Também foi cortado o item “reformas institucio­nais do governo Fernando Henrique Cardoso”, embora tenham sido preservado­s ainda os pontos “economia brasileira nos anos 90” e “Plano Real.”

As alterações não se limitaram a economia. O item “Políticas de identidade: gênero, raça e religião como vetores da política mundial”, que constou nas seleções de 2018 e 2017, foi trocado por “Direitos humanos, liberdade religiosa e políticas de identidade.”

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