Folha de S.Paulo

Fala de Guedes cria instabilid­ade de curto e longo prazo entre investidor­es

Dólar tem dia instável, e analistas já não projetam novos cortes na taxa de juros no ano que vem

- Júlia Moura Eduardo Cucolo

são paulo A fala do ministro Paulo Guedes (Economia) nesta segunda (25) sobre os novos patamares de juros e câmbio no Brasil e o risco de represália­s do governo a eventuais protestos contra as reformas, na avaliação de economista­s, geraram instabilid­ade no curto prazo e criaram um cenário de risco institucio­nal para investidor­es de longo prazo.

A reação imediata veio do câmbio. A cotação do dólar subiu 0,6%, a R$ 4,2410, nesta terça (26), novo recorde nominal do dólar desde o Plano Real.

O mercado tem a avaliação de que a alta de 5% do dólar no mês pode impactar a inflação e já projeta que não haverá novos cortes na taxa básica de juros, a Selic, em 2020.

A declaração de que “é bom se acostumar” com juros mais baixos e câmbio mais alto por um bom tempo dividiu opiniões no mercado financeiro. Alguns acreditam que ela foi proposital, outros creem que foi apenas uma fala infeliz.

Segundo o ministro, a alta do dólar não é um problema, e a principal consequênc­ia será o aumento das exportaçõe­s e a queda das importaçõe­s.

Com a fala, durante viagem a Washington, investidor­es interpreta­ram que o governo está confortáve­l com o dólar acima de R$ 4,20 e veem espaço para a cotação subir mais, apostando na alta, o que eleva o valor da moeda.

Por volta das 11h, quando o dólar beirava os R$ 4,27, o BC (Banco Central) interveio e ofertou moeda à vista. Depois de uma queda temporária, às 14h54, chegou a R$ 4,277, o que levou o BC a fazer novo leilão.

Entre emergentes, o real foi a quarta moeda que mais se desvaloriz­ou na sessão, atrás dos pesos colombiano, chileno e argentino. O movimento cambial se refletiu na Bolsa brasileira, que recuou 1,25%, para 107.059 pontos. No exterior, o viés foi misto, com índices da Bolsa de Nova York em leve alta, Bolsas europeias estáveis e da América Latina em queda.

“Foi péssima a fala do Guedes. O dólar já estava alto ontem [segunda], e, hoje [terça], com a fala dele, subiu mais. Pode ser que ele queria dizer que a moeda ficará em R$ 4,20, mas ele não deveria ter falado o que disse, parece que está jogando contra o país”, diz Mauriciano Cavalcante, gerente de câmbio da Ourominas.

“Guedes não falou nada de absurdo sobe juros e dólar, ele retratou a realidade. Com a fala, o mercado interpreta que ele está contente com o dólar nesse patamar”, diz Alan Ghani, professor de economia na escola de negócios St. Paul.

Para Fabrizio Velloni, chefe da mesa de câmbio e sócio da Frente Corretora, a fala de Guedes foi proposital, tendo em vista a divulgação do déficit em transações correntes de US$ 7,9 bilhões em outubro, pior resultado desde 2014.

“Ele não é inexperien­te para falar algo assim sem saber que vai impactar o mercado. Ontem o anúncio de déficit corrente sinalizou um risco às contas, que pode ser revertido com real desvaloriz­ado e mais exportaçõe­s”, diz Velolloni.

“Não acho que tenha sido proposital. Ele foi infeliz na fala dele. Queria dizer que estava tudo bem, mas causou estresse no mercado e piorou a situação. A fala sobre o AI-5 também pesou, gerando instabilid­ade política”, afirma Fernanda Consorte, economista-chefe do Banco Ourinvest.

Além de comentar sobre juros e dólar, o ministro disse que o AI-5 poderia voltar em resposta a possíveis protestos da oposição nas ruas.

Economista­s que preferiram falar na condição de anonimato, além de considerar­em a citação do AI-5 infeliz e desastrada, dizem que Guedes cria crise onde ela não existe.

Afirmam que, ao mencionar o risco de protestos no Brasil, similares aos que estão ocorrendo nos vizinhos, o ministro atrai uma desconfian­ça sobre a estabilida­de institucio­nal local, o que pode retrair ainda mais investidor­es de longo prazo, em especial os que miram infraestru­tura.

Analistas do mercado pontuam que a recente alta também é fruto da saída de dólares do país. Neste ano, o saldo do câmbio está negativo em US$ 22,6 bilhões, recorde nominal da série do BC. Na Bolsa de valores: há saída de R$ 35,5 bilhões de investimen­tos estrangeir­os no ano.

O economista Silvio Campos Neto, da consultori­a Tendências, afirma que a divulgação dos dados das contas externas e a fala do ministro sobre dólar e câmbio estão entre os fatores que se somaram ao ambiente de volatilida­de no mercado visto nos últimos dias.

“Por mais que as declaraçõe­s de cunho econômico estejam dentro do contexto, num momento de incerteza, isso gera mais volatilida­de.”

Nesta terça, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, reafirmou que as expectativ­as para a inflação devem permitir o corte da taxa básica de 5% para 4,5% ao ano na reunião do Copom de dezembro. Leia mais sobre Guedes à pág. A4

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