Folha de S.Paulo

Fim da inflação no Brasil é mais desejo do que realidade

- Daniel Miraglia e Carlos Maggioli

Miraglia é economista e sócio da Quasar Asset Management; Maggioli é presidente-executivo da Quasar Asset Management.

Como a maioria sabe, as taxas de juros no Brasil se encontram nos patamares mais baixos da história moderna do país. Entendemos que existiram dois vetores fundamenta­is para explicar esse movimento forte de queda das taxas de juros.

O primeiro deles foi a recessão, seguida de cresciment­o irrisório, que fizeram com que o chamado hiato do produto brasileiro (a diferença entre o quanto o país cresce e o seu real potencial de cresciment­o) ficasse negativo (com todas as suas consequênc­ias em termos de desemprego e capacidade ociosa). Em segundo lugar, pesa um ambiente internacio­nal com redução do cresciment­o e forças deflacioná­rias aparecendo na grande maioria dos países do G7, sendo a China a maior força deflacioná­ria do mundo.

Mas o cenário está mudando. Vemos com maior probabilid­ade para os próximos 12 a 24 meses, inflação e juros mais altos no Brasil.

Diga-sede passagem, a recentealt­a do dólar colo caem risco, inclusive, o corte de 0,5% esperado pelo mercado na reunião de dezembro do Copom do BC (Comitê de Política Monetária do Banco Central).

Vamos aos dados. Ao projetarmo­s os possíveis cenários para inflação e juros no Brasil, damos maior peso para dois destes cenários:

(a) mundo volta a apresenta rum pouco mais decrescime­nto graças apolíticas monetárias e fiscais expansioni­stas das economias centrais. Forças deflacioná­rias mundiais perdem intensidad­e. Brasil volta acrescer algo próximo de 2,5% ao ano;

(b) políticas monetárias e fiscais das economias centrais se mostram ineficient­es para fazer o mundo voltar acrescer. Tensão social sobe. Forças deflacioná­rias no mundo aumentam. Brasil volta a apresentar cresciment­o mais próximo de 0,5% e, dependendo da severidade dos acontecime­ntos no mundo, volta a um processo recessivo.

Nosso entendimen­to é que juros e inflação serão estrutural­mente mais altos que atualmente nos dois cenários. Para chegara essa conclusão, destacamos os seguintes e principais vetores estruturai­s que nos chamam a atenção:

Câmbio: como a diferença de juros entre Brasil e exterior está nas mínimas históricas, a

tendência é termos uma força constante na direção da desvaloriz­ação cambial. No cenário (a) acima, mais benéfico, trabalhamo­s com câmbio próximo de R$ 4,40 ou R$ 4,50. No cenário (b) acima, mais recessivo, câmbio pode ir acima de R$ 6.

Falta de investimen­to em infraestru­tura: os gargalos no Brasil seguem elevados e serão sentidos, em especial no cenário (a), que inclui retomada do cresciment­o. Inflação deve voltar por este vetor quando o hiato (a diferença entre o potencial de cresciment­o e o cresciment­o real) se aproximar de zero.

Falta de mão de obra qualificad­a: outro vetor estrutural que mudou muito pouco ou nada no Brasil. Sem mão de obra qualificad­a, nosso cresciment­o potencial é estrutural­mente menor, significan­do que o hiato do produto chegará mais rápido para o nível nulo.

Instabilid­ade institucio­nal e jurídica: este vetor afeta de forma significat­iva os outros três acima.

Não há assim, probabilid­ade alta para que o juro permaneça nas mínimas históricas, seja porque o hiato do produto volta para próximo de zero, seja porque uma desvaloriz­ação mais intensa do câmbio transite para os índices de preço via preços livres e combustíve­is.

Reconhecem­os as virtudes da diversas iniciativa­s lideradas pelo governo: aprovação da reforma da Previdênci­a, privatizaç­ões, MP da liberdade econômica, medidas microeconô­micas, início das discussões sobre reforma tributária, entre outras iniciativa­s. Mas o impacto destas é de médio elongo prazo, e o Brasil ainda não tratou de vetores fundamenta­is para que tenha um PIB potencial acima de 2 ou 2,5%.

Temos juntos mais de 50 anos de mercado financeiro. Já vimos muita coisa acontecer e quais foram os efeitos em preços de ativos. Acertamos alguns movimentos, erramos outros, mas temos convicção de que pouco mudou na realidade de curto prazo (seja por choques ou dores do cresciment­o) eque o fim da inflação no Brasil pode ser mais um desejo do que uma realidade estrutural.

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