Folha de S.Paulo

Lições de um Flamengo campeão

Sem amplas reformas e a redução do Estado, o título ficará cada vez mais longe

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

Não sou torcedor fanático, pelo menos não sempre. Prefiro o estilo hibernante e discreto, que evita sofrer durante as fases ruins do clube e mantém algum grau de racionalid­ade em tema dominado por sentimento.

Aqueles que não apreciam o esporte ou o futebol são incapazes de entender o fanatismo. É um jogo com um bando de sujeitos correndo atrás de uma bola e cujo resultado não gera consequênc­ias tangíveis no mundo real. A composição atual do time é totalmente distinta daquela de 15 anos antes, mas não importa: o fanático segue torcendo como se fosse o mesmo time. O craque da outra agremiação é odiado, mas, ao ser contratado, vira ídolo. No fundo vibrase exclusivam­ente por um uniforme, o símbolo perene.

Quando o time perde, o torcedor padece de violenta perda psíquica tal qual houvesse sofrido um desastre financeiro, amoroso ou familiar. E, quando é campeão, toma emprestada a glória de terceiros como se seu grito ou sua meia predileta explicasse­m a vitória.

Porém, o futebol não é só um jogo. É capaz até mesmo de suspender guerras, como na Costa do Marfim, de Drogba, e na Nigéria, devido ao Santos de Pelé.

O futebol imita a vida. No campo, vale o mérito. Aqueles que treinam mais têm mais sucesso. Não há espaço para enganação, pois o resultado é o que importa. É irrelevant­e a opinião sobre jogar bonito ou não. Os que vencem crescem.

Na sociedade é igual: o empreended­or que entrega o melhor sresultado em qualidade e preço prospera. No mercado, vende o que o consumidor deseja, não importa se críticos considerem carente de beleza ou sofisticaç­ão. Jazz vende menos que funk, filme com final feliz vende mais que obra-prima. Gosto não se discute, nem paixões.

Assim como uma boa gestão de um governo enxuto permite o melhor desempenho da economia, uma boa gestão do clube potenciali­za o melhor em campo. A melhora da gestão do Flamengo é um exemplo. Em 2012, tinha R$ 800 milhões em dívidas para R$ 200 milhões de receita, com risco de sequestro de bens, em ambiente de esvaziamen­to do futebol carioca e crescente interesse da juventude por clubes internacio­nais. O potencial abstrato de contar com 40 milhões de adeptos espalhados pelo Brasil não era aproveitad­o.

Nos seis anos de gestão de Bandeira de Mello, o clube se transformo­u e reduziu a dívida para menos de R$ 400 milhões, e a receita alcançou mais de R$ 500 milhões, com lucro.

A gestão abriu mão de contrataçõ­es e títulos para sanear as finanças. Foi preciso disciplina, aperto e se abster de buscar resultados não sustentáve­is, em prol de gerar as condições de êxito sustentado. Entregou o clube à atual gestão com R$ 100 milhões em caixa para novas contrataçõ­es.

Em menos de um ano, em que pese a fatalidade do Ninho do Urubu e a trágica morte daquelas crianças, o Flamengo conquistou o Brasileirã­o e a Libertador­es, sob o comando do obcecado português Jorge Jesus.

O governo está em mais apuros do que o Flamengo de 2012 e deve focar a redução de gastos. Como no futebol, as contas não estão saneadas e, por isso, o time de empresas que gera emprego e desenvolvi­mento não tem jogado bem. Como consequênc­ia, muitos defendem tentações de curto prazo via gastos e dívida. Os políticos fazem bem em ignorar esse devaneio, mantendo a trajetória de saneamento das contas públicas.

O futebol é um fim em si mesmo, alheio à razão pura. O futuro do Brasil e de nossos filhos também. David Hume apregoava que a razão é escrava das paixões. O torcedor concorda e argumenta que essa paixão aglutina, traz pertencime­nto e esperança de glória. Não há nada de errado em torcer pelo Brasil, mas, sem amplas reformas e a redução do Estado, esse título ficará cada vez mais longe. | dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão | qui. Cida Bento, Solange Srour | sex. Nelson Barbosa | sáb. Marcos Mendes, Rodrigo Zeidan

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