Caiado defende cassar concessão de distribuidora de energia de Goiás
Governador critica qualidade do serviço; Enel afirma não haver fundamento legal para medida
milão e rio de janeiro Críticas com relação à qualidade do fornecimento de energia levaram o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), a aderir a uma campanha pelo fim da concessão à italiana Enel, que assumiu a operação da empresa há dois anos. A companhia diz não haver fundamento legal para a medida.
Caiado declarou seu apoio a projeto de lei na Assembleia que prevê a encampação da concessão e afirmou que, se aprovado, o texto será sancionado em evento público em frente à sede da empresa. “A questão está tomando uma proporção incontrolável”, disse ele, em entrevista à Folha.
O governo de Goiás defende que a qualidade do serviço piorou após a chegada da Enel, o que vem prejudicando não só consumidores residenciais mas também a indústria goiana. “Há empresas querendo sair de Goiás, frigoríficos que não conseguem congelar peças que vão para a Europa porque não conseguem manter a temperatura...”
Maior operadora privada de energia do mundo, a Enel assumiu a operação em 2017, depois de vencer leilão de concessão promovido pelo BNDES por R$ 2,2 bilhões, ágio de 28% sobre o lance mínimo. A venda ocorreu na segunda tentativa, após o governo reduzir em mais de R$ 1 bilhão o preço original.
Antes, a companhia era operada pela Eletrobras. Há tempos, a distribuidora goiana figura entre as piores companhias do setor.
Caiado diz que a impressão é que a qualidade vem piorando. “O lado mais fraco está pagando a conta, e eles acham que o governo tem que ficar calado. Não seremos governados por Roma.”
Dados da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) mostram, porém, que a frequência e a duração das interrupções vêm caindo desde que a Enel assumiu a concessão, embora se mantenham acima do limite estipulado. Por outro lado, o tempo médio em que os consumidores foram supridos com nível de tensão adequada caiu nos últimos trimestres.
“Quando essa situação [de falta de investimento] ocorre, você não consegue consertar [a rede] de uma hora para outra, é um processo que leva anos. Mas a performance [da distribuidora] hoje é muito melhor que a de antes [da privatização]”, defendeu o diretor-executivo da Enel, Francisco Starace, em entrevista nesta terça (26) em Milão.
A Enel já havia dito em nota que, quando assumiu a empresa, “herdou uma rede elétrica em situação precária, após dez anos de falta de investimentos da gestão estatal”, e que já investiu R$ 2 bilhões na rede elétrica do estado.
“Os investimentos resultaram em uma redução da duração média das interrupções por cliente de 46% de dezembro de 2015 a setembro de 2019, enquanto o número médio de interrupções por cliente (FEC) melhorou 52%”, defende a empresa.
Starace disse não haver fundamento legal para que o governo de Goiás casse a concessão, uma vez que a regulação do setor de distribuição de energia é federal.
“As concessões são administradas no nível federal. Fizemos a aquisição e assumimos [a companhia goiana] em um estado realmente pobre. Investimos 3,5 vezes mais do que o que vinha sendo investido.”
Segundo ele, Caiado “tem feito o seu trabalho” ao pressionar a companhia italiana para melhorar o serviço. Afirmou, porém, que leva anos para compensar a falta de investimento e manutenção pela qual a companhia passava antes da privatização.
O governador questiona a avaliação de Starace. “A Constituição não me exclui do direito de discutir esse assunto, tenho o direito concorrente para poder discutir. É um assunto que interessa ao meu estado”, afirmou, dizendo que já se reuniu 14 vezes com a empresa para debater a questão.
Ele disse que o objetivo não é estatizar a companhia, mas realizar nova licitação. “O que eu quero é que outras empresas que estejam interessadas em investir em Goiás possam investir em Goiás”, afirmou.
Segundo Starace, as declarações de Caiado não afetam as decisões de investimento no país. “Entendemos que é uma questão de entender o contexto, não desistimos. Vamos continuar fazendo [aportes] em Goiás.”
A empresa opera ainda distribuidoras de energia no Rio, no Ceará e em São Paulo —em 2018, comprou 70% da Eletropaulo por R$ 5,5 bilhões, assumindo a liderança no segmento de distribuição do país.