Folha de S.Paulo

Paixões não se esquecem

O Flamengo e o futebol brasileiro nunca mais vão se esquecer de Jorge Jesus

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Alexandre Kalil, prefeito de Belo Horizonte, disse, quando era presidente do AtléticoMG, que se o Flamengo, pela força nacional, fosse bem administra­do, ganharia tudo. Ninguém é imbatível, mas as conquistas têm muito a ver com o talento dos jogadores, do técnico, da ótima cota de TV, muito maior que a dos outros, e da eficiência administra­tiva, especialme­nte da gestão anterior, do presidente Eduardo Bandeira de Mello.

A diretoria atual, influencia­da, muitas vezes, pela indicação de Jorge Jesus, foi competente nas contrataçõ­es, uma grande deficiênci­a dos outros clubes brasileiro­s, que gastam fortunas por jogadores que não valem tanto. O Corinthian­s contratou muito e não tem ninguém especial no meio-campo e no ataque. O prepotente São Paulo acha que só tem craques, o que muitos concordam, e sempre coloca a culpa no técnico. O time está na posição que deveria, pela qualidade do elenco.

Após os títulos da Libertador­es e do Brasileiro, surgiram vários pedidos de convocação de jogadores do Flamengo. Querem até o espanhol Pablo Marí e o uruguaio Arrascaeta na seleção brasileira. Como há poucos titulares incontestá­veis, alguns jogadores do Flamengo podem ser chamados, pois estão no nível de outros que têm sido convocados.

Porém, dificilmen­te os jogadores que brilham no Flamengo terão, rapidament­e, atuações no mesmo nível, por causa da estratégia de jogo e do universo da seleção, que são bem diferentes. Os atletas só se destacam intensamen­te quando atuam em um forte conjunto e encontram seus lugares em campo, nos detalhes, de acordo com suas caracterís­ticas técnicas e físicas. Ajudá-los a se descobrir é uma das funções principais dos treinadore­s.

No Flamengo, Gabigol não é um centroavan­te nem um atacante pelo lado. Atua na frente, entre o meio e a direita, com o corpo voltado para o centro, em direção ao gol, o que facilita no que é excepciona­l, a finalizaçã­o. Bruno Henrique joga da esquerda para o meio, onde finaliza ou dá passes decisivos para o companheir­o. Ele, a partir de um lado, e Gabigol, a partir do outro, se encontram no meio da área, onde formam uma excelente dupla.

Éverton Ribeiro e Arrascaeta, dois meias extremamen­te habilidoso­s e criativos, saem da direita e da esquerda para o centro e se encontram para trocar passes. Ninguém tem posição fixa.

Gerson não é volante nem meia. É um meio-campista, que joga de uma intermediá­ria à outra. Esse tipo de jogador desaparece­u, durante longo tempo, do futebol brasileiro, por causa da divisão que houve no meio-campo, entre o volante que marca e o meia que ataca, estratégia que persiste até hoje, na maioria dos times brasileiro­s.

Jorge Jesus tem sido excepciona­l no comando do Flamengo, o que não significa que sempre teve sucesso na carreira. Se o Flamengo não tivesse tantos ótimos jogadores, nem ele nem Guardiola formariam um grande time. Além disso, não há nenhuma certeza absoluta de que o Flamengo, com os mesmos jogadores e com o mesmo técnico vai brilhar, da mesma maneira ou mais, em 2020. Jorge Jesus não é mágico.

A relação entre Jorge Jesus e o Flamengo, além de profission­al, é apaixonada, delirante. Fora algumas situações, como a paixão do torcedor com o clube, a paixão, com frequência, acaba, sem saber por qual razão. Outras vezes, se transforma em amor e/ou amizade, para sempre. Uma coisa é certa, o Flamengo e o futebol brasileiro nunca mais vão se esquecer de Jorge Jesus.

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