Folha de S.Paulo

Ianomâmis rechaçam proposta que prevê garimpo em terra indígena

- Rubens Valente

brasília Reunidos na Terra Indígena Ianomâmi, em Roraima, no último fim de semana, dezenas de lideranças ianomâmis e iecuanas rechaçaram a proposta em estudo no governo de Jair Bolsonaro que prevê permitir a mineração em terras indígenas. O projeto deverá ser encaminhad­o em breve ao Congresso Nacional.

Cerca de 120 indígenas formaram com seus corpos a expressão “Fora Garimpo” no sábado (23). Em carta aberta lida ontem no Congresso Nacional por iniciativa da coordenado­ra da frente parlamenta­r indígena, a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), os indígenas afirmaram: “Nós não queremos garimpo em nossa terra. Nós queremos que o governo cumpra seu dever de proteger a nossa terra. Queremos que o governo tire os garimpeiro­s que estão na nossa terra e impeça a entrada de mais garimpeiro­s. Nós conhecemos nossos direitos e sabemos que o garimpo na Terra Indígena Yanomami é ilegal”.

Bolsonaro disse várias vezes que pretende abrir mineração em terras indígenas e chegou a levar um ianomâmi ao Palácio do Planalto para dizer que tinha aval dos indígenas.

Na carta, as lideranças negam a representa­tividade desse indígena. “A gente decide de forma coletiva, escutando vários pensamento­s de homens, mulheres, xamãs, jovens, lideranças tradiciona­is, todos reunidos. Isso é decidir em nome do povo e não de maneira autoritári­a. E isso deve ser respeitado pelo governo brasileiro. O governo não decide por nós. Somos guerreiros Yanomami e Ye’kwana e dizemos todos juntos: Fora Garimpo!”

No comunicado, assinado por sete associaçõe­s, os indígenas também denunciam as consequênc­ias do garimpo.

“Os garimpeiro­s estão envenenand­o as pessoas e contaminan­do nossos rios, nossos peixes, nossos alimentos e espantando nossa caça. Sabemos que o mercúrio usado no garimpo está contaminan­do nosso povo. No rio Uraricoera, mais de 90% das pessoas que foram analisadas apresentar­am alto índice de contaminaç­ão. Recentemen­te soubemos que mais da metade dos Yanomami de Maturacá também estão contaminad­os. O governo tem o dever de acabar com isso e trabalhar para cuidar da saúde dos povos Yanomami e Ye’kwana e proteger a terra-floresta.”

As lideranças ianomâmis disseram que os garimpeiro­s “trazem todo tipo de bebidas, drogas e doenças”, que têm “muitas armas” e são “violentos também entre eles”.

“Eles matam uns aos outros e enterram os corpos na beira dos rios ou jogam nos rios. Quando os garimpeiro­s mexem na terra e destroem a natureza, eles estão ofendendo os seres que vivem na floresta. Esses lugares foram destruídos e ninguém mais pode usar lá. A natureza está se zangando, e todos nós vamos sofrer, indígenas e não indígenas. Os garimpeiro­s são invasores que roubam o ouro, que tem que ficar embaixo da terra.”

Os indígenas escreveram que as suas verdadeira­s riquezas “são os conhecimen­tos tradiciona­is, a nossa saúde, nossos rios limpos e nossas crianças crescendo felizes. Os garimpeiro­s estão destruindo a nossa riqueza. O nosso trabalho não é o garimpo, o nosso trabalho é a roça, é o artesanato, temos nossas formas próprias de gerar renda a partir de nossos conhecimen­tos sobre a floresta. Nossos conhecimen­tos têm mais valor que o ouro”.

O texto final do projeto de lei sobre o assunto ainda não é conhecido e está sendo elaborado pelo Ministério de Minas e Energia. À Folha ,oministéri­o disse que a proposta é ouvir os índios sobre projetos de mineração em suas terras, mas eles não terão o poder de vetar o empreendim­ento.

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Victor Moriyama/Divulgação/ISA Cerca de 120 índios formam com seus corpos a expressão ‘Fora Garimpo’, na Terra Indígena Ianomâmi, no último sábado (23)

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