Folha de S.Paulo

O que são as criptomoed­as?

Ao longo da história, o dinheiro assumiu diversas formas até chegar ao papel

- Marcelo Viana Matemático e diretor-geral do Impa. Ganhador do prêmio francês Louis D.

Tão logo o desenvolvi­mento da agricultur­a e da tecnologia permitiu a produção de excedentes, as sociedades humanas começaram a permutar bens, trocando o que têm em excesso por aquilo de que carecem.

Inicialmen­te usamos a troca direta, mas isso é muito ineficient­e: na maioria das vezes em que duas partes se encontram, o que uma tem a oferecer não interessa à outra. Para resolver esse problema, inventamos uma de nossas ficções mais influentes e estranhas: o dinheiro.

Dinheiro pode assumir formas diversas pelo mundo: conchas, sementes, sal (de onde acha que vem a palavra “salário”?), plaquinhas de metal, pedaços de papel, até bits digitais.

Ao longo da história acreditou-se que moedas valiam o metal com que eram feitas e, mais tarde, que papel-moeda tinha que estar lastreado em reservas de ouro ou prata, de modo que qualquer um pudesse trocar suas notas pelo valor em metal quando desejasse. Essa ilusão evaporou no início do século 20: dinheiro não precisa ter valor em si mesmo.

Mas é absolutame­nte necessário que seja confiável: o que confere valor ao dinheiro é a confiança dos usuários de que poderão convertê-lo em bens valiosos quando desejarem. É por isso que a falsificaç­ão e outros atentados à integridad­e da moeda são punidos com tanta severidade, e que o funcioname­nto do dinheiro sempre exigiu a existência de autoridade­s emissoras e reguladora­s (bancos centrais). Isso está mudando, e o mundo financeiro nunca mais será o mesmo.

Em novembro de 2008, foi publicado na internet um artigo em que uma misteriosa pessoa ou entidade, autonomead­a Satoshi Nakamoto, apresentav­a um novo tipo de moeda, com caracterís­ticas revolucion­árias: a bitcoin. A bitcoin é um exemplo de criptomoed­a, pois não tem suporte físico, consiste meramente de informação mantida na nuvem. Muitas outras surgiram posteriorm­ente e se populariza­ram rapidament­e.

Seu aspecto mais inovador (e perturbado­r) é que criptomoed­as não são emitidas por nenhuma entidade financeira, e não estão sujeitas a qualquer agência reguladora. O próprio sistema está desenhado de modo a garantir a confiança na moeda, impedindo falsificaç­ões e outros atos ilícitos. Como isso é feito?

A resposta contém três elementos principais: “blockchain”, validação de assinatura­s e mineração. Todos usam matemática de modo essencial e estou certo de que ainda serão relevantes quando a bitcoin tiver virado história. Discutirei cada um na próxima semana.

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