Projeto social ganha escala de ópera em peça guiada por listas
são paulo Listas são uma das primeiras formas de organizar a informação. São, também, uma obra aberta, um imenso etc. pronto para inclusões, interpretações, atualizações.
A partir de formas de listagem —verbetes, dicionários, enciclopédias, enumerações— a Ser em Cena criou “Silêncios, Moléculas, Dinossauros”. A peça está na lista dos espetáculos deste quase fim de ano, em curtíssima temporada no teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo.
Com quase uma dezena de obras montadas, a ONG Ser em Cena foi criada em 2002 para auxiliar na reabilitação de pessoas com afasia por meio das artes cênicas. Afasia é uma disfunção neurológica de linguagem que pode envolver deficiências na compreensão e expressão de palavras ou seus equivalentes não-verbais.
Pode ter várias causas, como um AVC ou um traumatismo craniano. Este foi o caso de Nicholas Wahba, criador da ONG. Após um acidente, ele encontrou no teatro uma forma de reabilitação e uma nova profissão (seu plano anterior era ser jogador de basquete).
Wahba fez participações em peças de amigos, cursos de clowneinterpretação.Nasprimeiras montagens da Ser em Cena, além de dirigir, atuava com o elenco de oito pessoas.
No espetáculo atual, 79 atores estão em cena, uma estrutura de ópera. A companhia se firmou para além dos objetivos terapêuticos com a criação de uma linguagem própria.
Questões básicas do grupo, como diversidade, invisibilidade do outro ou do diferente e impasses da criação coletiva estão afinadas com debates atuais sobre papel da arte e crise da representação.
No trabalho do Ser em Cena, “as singularidades do grupo de atores ampliam as possibilidades estéticas e são legitimadas na linguagem artística”, diz Elisa Band, que, ao lado de Wahba, assina a direção e a dramaturgia do espetáculo.
Seis maneiras de começar um amor, seis maneiras de terminá-lo, 24 tipos de silêncios ou três tipos de fim são algumas das cenas-listas costuradas durante 70 minutos.
A narrativa começa com a história de um manuscrito despedaçado e espalhado por diferentes lugares e épocas, e as cenas transcorrem junto à montagem e desmontagem dos cenários em palco aberto.
Segundo os diretores, o denominador comum são os diferentes modos de existir. “Com a noção do belo deslocada do lugar-comum, cria-se poesia a partir de diferenças”, diz Band.
Verbetes ou pequenos relatórios revelam singularidades dos atores e abrem frestas para observar minúcias da vida.
Com os quadros a partir de improvisações das três turmas de teatro do Ser em Cena (são 25 alunos por turma, e há fila de espera) o espetáculo profissional foi tomando forma.
“O trabalho não surge a partir de um suposto sistema predeterminado no qual se tentaria encaixar as pessoas. Ao contrário, é a partir dos indivíduos que achamos o método”, diz Band.
Para a diretora, a dimensão política desse trabalho está na esfera do menor, na mistura de saberes, inexperiências, irrelevâncias, memória e ficção.
“Silêncios, Moléculas, Dinossauros” é também uma mistura de linguagens: música, dança e, testando os limites da comunicabilidade, palavras inventadas. Listas podem ser uma forma de organizar o mundo, mas também são tentativas de criar outros.
Silêncios, Moléculas, Dinossauros
Teatro Sérgio Cardoso, r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista, São Paulo. Qua.
(27) e qui. (28), às 21h. R$ 30