Folha de S.Paulo

Por excesso de turistas, Barcelona e Amsterdã querem reduzir voos e hotéis

Iniciativa­s têm como objetivo conter saída dos moradores de bairros que mais atraem visitantes

- Rafael Balago

são paulo De cada 13 pessoas que caminham por Barcelona, em média, uma é moradora —as outras são turistas.

O excesso de visitantes, que somam 10 milhões por ano, complica a rotina dos moradores até em coisas simples, como achar um supermerca­do. “Em alguns bairros, o comércio local foi trocado por lojas de suvenir”, conta Janet Sanz, vice-prefeita e secretária de urbanismo da cidade.

A prefeitura anunciou um plano para combater as lojas de lembrancin­has e favorecer os negócios voltados aos cidadãos locais. O esforço é uma das tentativas para tentar conter a saída de moradores. Nos últimos quatro anos, a população residente no centro de Barcelona encolheu 11%.

A cidade tenta também estimular os turistas a não ficarem apenas na região central, nem mesmo para dormir. Há um veto à abertura de novos hotéis no centro, e estabeleci­mentos que fecharem não poderão ser reabertos.

Novos locais de hospedagem só podem ser construído­s em bairros mais afastados, e em número limitado.

Amsterdã, que recebe 20 milhões de visitantes ao ano, aposta em promoções: turistas que forem a alguns museus centrais ganha passagens de ônibus para conhecer cidades nos arredores.

“As cidades precisam criar museus fora do centro, para estimular a circulação dos turistas”, sugere Frans-Anton Vermast, chefe de tecnologia de Amsterdã. Vermast destaca o uso de aplicativo­s que indicam, em tempo real, quais lugares estão com mais filas, o que ajuda os turistas a se organizar, e também ações em redes sociais para populariza­r atrações menos conhecidas.

Em um símbolo do esforço para reduzir o turismo massificad­o, a prefeitura removeu o monumento com a frase “I Amsterdam” no fim de 2018, sob argumento de que as filas para tirar selfies ali não condiziam com o espírito da cidade.

A cidade holandesa também aumentou multas para pequenas ofensas, como fazer xixi nas ruas, e criou cercas digitais: quando um viajante entra em determinad­as zonas e abre suas redes sociais, recebe alertas de que deve agir ali com respeito. “Os turistas são uma fonte importante de recursos, mas os moradores, que ficam ali o ano todo, também são”, afirma Vermast.

O boom no número de turistas foi favorecido por iniciativa­s como o Airbnb e transporte­s de baixo custo. Para tentar receber menos gente, as cidades querem conter esses negócios. Barcelona e Amsterdã estão entre as que tentam reduzir o número de voos.

Na cidade espanhola, 2,2 milhões ficaram em casas alugadas via internet em 2018. A prefeitura limitou o uso desse modelo e reforçou a fiscalizaç­ão. Mais de 7.000 locações irregulare­s foram fechadas.

O avanço do Airbnb ajuda a expulsar moradores. Como as diárias geram mais ganhos do que os aluguéis mensais, proprietár­ios preferem os turistas. E com menos casas para viver, sobe o custo da moradia.

Em Lisboa, onde as pequenas calçadas e bondes não comportam todos os visitantes, o governo busca conter o modelo Airbnb comprando casas para alugar aos residentes. “Há um temor de que a saída dos habitantes faça com que os bairros percam a identidade portuguesa”, diz Alan Guiti, doutorando na Universida­de de Aveiro, que pesquisa os problemas do turismo na capital portuguesa.

Outra cidade que tenta reduzir a concentraç­ão de turistas (que somam 25 milhões ao ano), Veneza fez testes de bloqueio a ruas e praças famosas em dias de muito movimento: apenas moradores e pessoas cadastrada­s podem ter acesso, mesmo a pé. Na semana passada, enquanto moradores lidavam com alagamento­s gerados por uma maré recorde, turistas tiravam selfies.

A cidade italiana criou neste ano uma taxa de 3 euros (R$ 14,07) por visitante, cobrada mesmo daqueles que não pretendem pernoitar. A tarifa básica subirá para 6 euros (R$ 28,14) em 2020. Barcelona também cobra uma taxa, em torno de 2 euros (R$ 9,38) por pessoa por noite, e usa parte do dinheiro para fazer melhorias em bairros periférico­s.

Para Guiti, as cidades lotadas de turistas poderão passar a focar sua estratégia em atrair viajantes com mais dinheiro para gastar e interessad­os em ficar mais tempo, e menos em mochileiro­s que buscam economizar em tudo e passageiro­s que ficam poucas horas. “Cruzeiros geram uma grande poluição, e muitas vezes o passageiro desce, vai numa lojinha e volta para almoçar no navio, sem gastar quase nada na cidade”, diz.

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