Folha de S.Paulo

Tensão sul-americana

A respeito de manifestaç­ões de rua na Colômbia.

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Com o jovem Dilan Cruz, já são quatro as mortes na série de protestos que tem lugar na Colômbia desde o dia 21, fora o saldo de centenas de feridos e presos. Trata-se do quarto país sul-americano —na sequência de Equador, Chile e Bolívia—a ser afetado neste ano por uma onda de manifestaç­ões, grande parte delas violentas.

A pauta de reivindica­ções dos que vão às ruas é difusa, e os eventos que deflagrara­m os movimentos, variados. No Equador foi o aumento do preço da gasolina; no Chile, o da tarifa do metrô; na Bolívia, a evidência de fraude eleitoral seguida pela deposição de Evo Morales; na Colômbia, uma greve geral.

A ciência política tem particular dificuldad­e em explicar a eclosão de manifestaç­ões populares, que não raro aparentam surgir espontanea­mente, por motivos banais e sem lideranças claras. Quando ocorrem simultanea­mente numa região ou continente, não é incomum que se fale em contágio.

As imprecisõe­s da análise desses fenômenos não significam que inexistam causas, ou, pelo menos, substratos comuns. Os estudiosos Daniela Campello e Cesar Zucco, da Fundação Getulio Vargas, apresentar­am uma hipótese plausível em artigo publicado no caderno Ilustríssi­ma desta Folha.

Resumidame­nte, Campello e Zucco dizem que, entre 2003 e 2011, os países da região experiment­aram um forte ciclo de cresciment­o, que ampliou a oferta de empregos, elevou salários e permitiu a seus dirigentes, de orientaçõe­s ideológica­s variadas, promover políticas de inclusão social e redução da pobreza que lhes rendeu popularida­de.

A partir de então, com mudanças nos termos de troca do comércio internacio­nal, as commoditie­s perderam valor, encerrando a bonança. As vistosas taxas de cresciment­o deram lugar a expansões bem mais modestas.

A reversão do cenário de melhora contínua frustraria as expectativ­as das populações e acirraria o conflito distributi­vo e a polarizaçã­o, tornando os países latino-americanos mais vulnerávei­s a protestos e até mesmo a convulsões sociais.

A hipótese ajuda a entender não apenas as manifestaç­ões de rua —o Brasil já viveu as suas em 2013— mas também outras mudanças no quadro político, como a alternânci­a de poder em diversas nações.

Segundo os pesquisado­res, a ligação entre ciclos econômicos e grandes mudanças na política regional não é inédita. A primeira queda importante nos termos de troca, nos anos 1960, trouxe ditaduras ao continente. A segunda, nos 1980, redundou na redemocrat­ização. A ver o que ocorre na terceira.

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