Folha de S.Paulo

Julgamento no Supremo tende a liberar repasse de dados da Receita

Cinco ministros já votaram a favor do compartilh­amento de dados da Receita e do antigo Coaf

- Reynaldo Turollo Jr.

brasília Cinco dos 11 ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) já votaram para permitir que órgãos de controle —como a Receita e o antigo Coaf— compartilh­em dados bancários e fiscais com o Ministério Público e a polícia sem restrições e sem necessidad­e de aval judicial prévio.

Com isso, o plenário indica tendência de autorizar investigaç­ões como a realizada pelo Ministério Público do Rio sobre o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.

A apuração sobre Flávio partiu de um relatório do antigo Coaf, renomeado de UIF (Unidade de Inteligênc­ia Financeira) em agosto.

O julgamento de um processo que discute a questão do compartilh­amento de dados sigilosos por órgãos de controle começou na semana passada, foi retomado nesta quarta-feira (27) e deverá continuar nesta quinta (28) com os votos dos cinco ministros que faltam.

Só o relator do processo, o presidente do STF, Dias Toffoli, votou por restringir o teor das informaçõe­s compartilh­adas pela Receita Federal e pela imposição de alguns limites aos procedimen­tos de repasse de informaçõe­s adotados pela UIF.

O processo ganhou repercussã­o política porque em julho, no âmbito dele, Toffoli suspendeu todas as investigaç­ões e ações penais do país que usaram dados detalhados de órgãos de controle sem autorizaçã­o prévia da Justiça.

Na ocasião, Toffoli atendeu a um pedido da defesa de Flávio, que argumentou que a investigaç­ão realizou uma verdadeira quebra de sigilo bancário ao pedir informaçõe­s diretament­e ao antigo Coaf, sem controle de um juiz.

Flávio pegou carona em um recurso extraordin­ário que tramitava no STF desde 2017 e tratava apenas do compartilh­amento de dados pela Receita. A partir do pedido do senador, Toffoli expandiu o objeto do processo para alcançar também a UIF.

Pela tese proposta por Toffoli, a Receita não pode enviar ao Ministério Público e à polícia documentos como declaração de IR e extratos bancários de cidadãos. Pode, no entanto, continuar compartilh­ando os dados das representa­ções fiscais para fins penais (RFFPs) que elabora.

Já a UIF pode continuar repassando ao Ministério Público dados de movimentaç­ões suspeitas que lhe forem informadas por instituiçõ­es como bancos. Mas não pode fazer relatórios de inteligênc­ia financeira (RIFs) “por encomenda” de procurador­es, promotores e policiais se o alvo não for formalment­e investigad­o ou não tiver havido um alerta anterior sobre ele.

Um dos objetivos de Toffoli é deixar claro que os investigad­ores não podem escolher seus alvos e sair à procura de provas contra eles à margem da Justiça.

As ressalvas em relação à UIF podem levara Justiça a debater, posteriorm­ente, eventuais nulidades na investigaç­ão sobre Flávio. O caso começou com um relatório financeiro sobre o ex-assessor Fabrício Queiroz, complement­ado por outro que já trazia menção a Flávio. Depois, o Ministério Público pediu à UIF informaçõe­s especifica­mente sobre Flávio.

Diferentem­ente de Toffoli, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux votaram por não impor qualquer tipo de restrição à Receita e não fizeram ressalvas em relação à atuação da UIF.

Faltam os votos dos ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowsk­i, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Barroso voltou a falar, ao votar nesta quarta, de casos recentes de corrupção descoberto­s pela Operação Lava Jato, e defendeu liberdade para os órgãos de fiscalizaç­ão e controle, ressaltand­o a importânci­a de preservare­m o sigilo das informaçõe­s.

“O país vem fazendo um esforço enorme para empurrar para a margem da história essa velha ordem em que era legítima a apropriaçã­o privada do Estado. Não acho bom para o país, a Justiça e o Supremo criar dificuldad­es e entraves burocrátic­os para o combate à alta criminalid­ade”, afirmou.

Fachin afirmou que, segundo informaçõe­s oficiais do órgão, não há como a UIF realizar devassas por encomenda do Ministério Público e da polícia, pois somente recebe informaçõe­s sobre transações pontuais considerad­as suspeitas pelos bancos.

“Importante salientar, como foi corroborad­o pelas informaçõe­s prestadas pelo Banco Central, que a Unidade de Inteligênc­ia Financeira não detém acesso a extratos bancários ou algo que o valha. Isso retira, a meu ver, a possibilid­ade de que se verifique a produção de alegadas devassas sob encomenda”, disse.

Barroso e Rosa Weber se posicionar­am contra a inclusão da UIF no julgamento, alargando o objeto inicial do processo, que era restrito à Receita Federal.

No entanto, se prevalecer o entendimen­to de que o plenário deve julgar também a atuação da UIF, os ministros acompanham a divergênci­a aberta pelo ministro Moraes.

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Pedro Ladeira/Folhapress Na antessala do plenário do Supremo, o presidente Dias Toffoli e os ministros Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowsk­i e Luiz Fux

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