Investigação federal aponta para grileiros, e não brigadistas
Procuradoria pediu acesso integral à investigação da Polícia Civil, que prendeu 4 membros de ONG
são paulo e salvador O Ministério Público Federal (MPF) em Santarém (PA) enviou ofício à Polícia Civil do Pará requisitando acesso integral ao inquérito que acusa brigadistas por incêndios florestais em área de proteção ambiental em Alter do Chão.
Segundo nota do MPF no Pará desta quarta (27), desde setembro já estava em andamento na Polícia Federal um inquérito com esse tema. Na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil.
“Ao contrário, a linha das investigações federais, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter.”
Como a Folha mostrou, a região sofre pressão da indústria turística e da imobiliária e de invasores de terras públicas.
A Folha teve acesso a documentos que compõem o inquérito, com registro dos grampos (interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça) e medidas cautelares que pedem a prisão preventiva, realizada na terça (26), dos quatro brigadistas responsáveis pela Brigada de Alter do Chão.
Foram presos Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner.
Os documentos destacam frases como “Quando vocês chegarem vai ter bastante fogo.” “O que a gente quer é a imagem de vocês.” Na íntegra, os diálogos revelam dúvidas dos integrantes do projeto sobre as contrapartidas do patrocínio da ONG WWF à Brigada. As discussões envolvem o tempo em que a WWF poderá ser vinculada à Brigada em imagens de divulgação, já que a doação de equipamentos para combate a incêndios deve ser usada nos próximos anos.
“É, cara, o Caetano falou que a gente tá se preocupando com coisa pequena, mas a gente tá querendo fazer tudo certinho”, diz Gustavo a Marcelo. “Eu só acho desproporcional que eles [WWF] queiram usar nosso logo para sempre”, diz Marcelo.
Um dos brigadistas pergunta se precisaria devolver o equipamento após o contrato, e o representante da WWF responde: “Não, é de vocês”.
Em outra conversa, o doador esclarece que a contrapartida à doação é a divulgação das imagens —uma forma da WWF prestar contas aos seus patrocinadores. É neste contexto que ele diz: “O que a gente quer é a imagem de vocês, porque a gente tem que prestar conta desse dinheiro que tá vindo de um outro fundo”.
A dinâmica é comum em contratos de patrocínio, que geralmente envolvem contrapartidas como divulgação. Para a polícia, no entanto, o trecho dessa conversa é marcado como suspeito.
O inquérito diz: “O conteúdo deixa compreensível o objetivo do grupo de brigadistas de Alter do Chão em obter vantagem financeira a título de patrocínio e outras formas de contrato, tendo como contraprestação fornecer conteúdo exclusivo de imagens do combate às queimadas, fazendo alusão ao patrocinador”.
Outro trecho diz: “As interceptações indicavam que o grupo de brigadistas estava se aproveitando da repercussão internacional tomada pelo incêndio ocorrido na APA Alter do Chão buscando beneficiar financeiramente a ONG”, diz um trecho do inquérito.
A única infração penal citada na medida que pede a prisão preventiva é a suspeita de terem causado incêndios na região da Área de Preservação Ambiental (APA) de Alter do Chão, o que infringiria o artigo 40 da lei 9.605/98: “causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação”.
No entanto, o diálogo interceptado é comumente ouvido em conversas e entrevistas com moradores da região devido à sazonalidade dos incêndios, que ocorrem anualmente, com pico cerca de dois meses após o de incêndios em outros estados amazônicos. A estação de chuvas também atinge a região cerca de dois meses depois.
A conversa se dá entre Gustavo e uma interlocutora chamada Cecília:
Gustavo: Tá triste, foi triste, a galera está num momento póstraumático, mas tudo bem. Cecília: Mas já controlou? Gustavo: Tá extinto, é. Cecília: Que bom.
Gustavo: Mas quando vocês chegarem vai ter bastante fogo, se preparem, nas rotas, nas rotas inclusive. Cecília: É mesmo? Gustavo: Vai, o horizonte vai tá todo embaçado…
Cecília: Puta merda Gustavo: Mas normal, né? Cecília: Não começou a chover ainda? Porque em Manaus…
Gustavo: É, vai começar a chover em dezembro pra janeiro. Se vocês tiverem sorte, chove um pouco antes ou depois que vocês ir embora (sic).
Paraapolícia, odiálogodeixa “perceptível referir-se a queimadas orquestradas, uma vez que não é admissível prever, mesmo nessa época do ano, data e local onde ocorrerão incêndios”. A conclusão policial não cita o trecho seguinte da conversa, em que o mesmo suspeito faz previsão semelhante sobre as chuvas.
Nesta quarta-feira (27), o juiz Alexandre Rizzi, da Justiça Estadual do Pará, decidiu manter a prisão preventiva dos quatro brigadistas.
De acordo com o advogado Wlandre Leal, responsável pela defesa dos brigadistas, o juiz alegou a gravidade dos fatos e a repercussão do caso para manter as prisões.
Nesta quarta, o presidente Jair Bolsonaro, crítico às ONGs na Amazônia, citou a prisão dos brigadistas de Alter em evento na Zona Franca de Manaus. “Conheço essa raça. E agora a Policial Civil do Pará [está] apontando para ONG as queimadas.”