Folha de S.Paulo

Vamos apagar o passado?

- Mariliz Pereira Jorge

rio de janeiro Michael Jackson é pedófilo. “Leaving Neverland”, documentár­io da HBO, não deixa dúvida. Assim como sabemos que Rodin reprimia Camille Claudel. Gauguin está prestes a ser cancelado porque fazia sexo com adolescent­es e chamava os polinésios de selvagens.

A lista de artistas pedófilos, machistas, xenófobos, mancomunad­os com regimes autoritári­os é grande. Gente que vem entrando no radar do revisionis­mo histórico, artístico e cultural. O alvo mais recente de protestos é Elizabeth Bishop, homenagead­a da próxima Flip.

A escritora americana, que morou duas décadas no Brasil, apoiou o golpe militar de 1964 e desdenhava da cultura local. Mas a curadoria do evento entendeu que sua relevância artística é maior do que suas opiniões pouco elegantes e democrátic­as.

Não é o que deveríamos fazer em relação a nomes consagrado­s que têm tido detalhes nefastos de suas vidas revelados? Podemos desprezar a pessoa, mas admirar sua arte? O real caráter dos artistas poderia contribuir para que sua obra seja mais bem entendida? Ou vamos olhar para o passado com a lente do presente e mandar para a vala do esquecimen­to alguns dos maiores gênios da história?

O incômodo, dizem os críticos de Bishop, é que no momento em que as instituiçõ­es têm sido desafiadas não seria adequado exaltar um artista assim. O que me incomoda é ver tanta gente preocupada com retrocesso­s e censuras fazendo o que dizem condenar: impor à Flip quem pode ou não ser homenagead­o.

A discussão é importante, mas não podemos apagar o passado. O mundo já foi pior, e muitos artistas se comportava­m de forma considerad­a, hoje, inaceitáve­l. Ainda acho Michael Jackson um gênio, mas ouvir a péssima “We Are the World” causa repulsa. Não vou deletar algumas das melhores lembranças da vida embaladas por “There Is A Light That Never Goes Out” porque Morrissey é um babaca racista. Acho possível tentar separar as coisas.

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