Folha de S.Paulo

Sopro de ar fresco

- Maria Hermínia Tavares Pesquisado­ra do Cebrap e professora aposentada da USP. Escreve às quintas mhermtavar­es@gmail.com

Entre 2014 e 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar Contínua do IBGE, 8,5 milhões de brasileiro­s se somaram aos 14 milhões que já viviam abaixo da linha da pobreza. No mesmo período, o contingent­e daqueles que sobrevivia­m em situação de pobreza extrema passou de 5,2 milhões para 11,8 milhões.

Isso quer dizer que se perdeu quase todo o ganho obtido anteriorme­nte em termos de redução das disparidad­es de renda. Apesar da catástrofe social que esses números revelam, pobreza e desigualda­de são assuntos fora do avariado radar do governo Bolsonaro.

Enquanto o ministro Paulo Guedes tangencia a obscenidad­e com o seu programa de emprego para jovens —a ser financiado por aqueles que recebem o caraminguá do segurodese­mprego—, não se vislumbra uma única iniciativa capaz de amortecer o sofrimento dos mais atingidos pela degringola­da econômica dos últimos anos.

Em meio a essa desolação, é mais que bem-vinda a proposta de agenda social patrocinad­a pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, resultado do trabalho de um grupo de parlamenta­res coordenado pela deputada Tabata Amaral.

Trata-se de um conjunto de projetos e uma proposta de emenda constituci­onal cobrindo cinco áreas: garantia de renda; inclusão produtiva; rede de proteção ao trabalhado­r; acesso a água e saneamento; e uma Lei de Responsabi­lidade Social com um fundo que permita aumentar o gasto em situações de crise.

O primeiro mérito do pacote é reconhecer as presentes limitações fiscais e pensar em iniciativa­s compatívei­s com alguma forma de ajuste das contas públicas, sem o que nenhuma política social pode se sustentar por muito tempo.

A sua segunda virtude é garantir a ampliação e estabilida­de do grande programa nacional de garantia de renda mínima —o Bolsa Família—, além de buscar portas de saída a seus beneficiár­ios, por meio da qualificaç­ão para diferentes formas de trabalho.

Falta à agenda social da Câmara uma definição mais nítida dos objetivos almejados em termos de equidade e de amplitude da proteção social. A pauta é menos do que um projeto amplo de reforma do sistema existente. E um pouco mais do que um rol de medidas compensató­rias, destinadas apenas a reduzir a perversida­de das políticas econômicas ultraliber­ais.

Tampouco está claro quão factíveis são as propostas. Afinal, além do marco legal que o Congresso venha a aprovar, dependerão, para ganhar vida, do engajament­o de agências do Executivo. Ainda assim, são um sopro de ar fresco no ambiente degradado pela indiferenç­a do governo Bolsonaro à sorte da grande massa de brasileiro­s pobres.

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