Folha de S.Paulo

OPINIÃO Livro de especialis­ta em compliance aborda efeitos da Lava Jato

- Flávio Ferreira

são paulo As reportagen­s feitas com base nas mensagens trocadas por procurador­es da Lava Jato obtidas pelo site

The Intercept Brasil publicadas desde junho permitem novas interpreta­ções sobre a maior operação anticorrup­ção da história do país e tiveram consequênc­ias até em julgamento­s do STF (Supremo Tribunal Federal), que passou a impor derrotas à força-tarefa de Curitiba depois que os diálogos vieram à tona.

Nesse contexto de maior criticismo em relação ao trabalho das autoridade­s envolvidas no caso, o livro “Lava a Jato: O Interesse Público Entre Punitivism­o e Desgoverna­nça” traz elementos teóricos do direito econômico, penal e da doutrina dedicada ao estudo da corrupção que são úteis àqueles que pretendem aprofundar suas reflexões sobre os efeitos da operação.

A obra, lançada nesta semana, é resultado da tese de doutorado da advogada especializ­ada na área de infraestru­tura, regulação e compliance Maria Virginia Nabuco do Amaral Mesquita Nasser.

O trabalho acadêmico não aborda as mensagens obtidas pelo Intercept, uma vez que foi defendido por Nasser na Faculdade de Direito da USP no início de 2019, antes da divulgação delas.

Mas quando a obra trata do uso pelas autoridade­s da carga emocional do combate à corrupção para alcançar seus objetivos, a associação com os conteúdos dos diálogos dos procurador­es é imediata.

Para a autora, a ideia defendida por setores da sociedade de que era preciso combater os crimes contra a administra­ção pública a qualquer custo foi um dos fatores que influencia­ram um desequilíb­rio entre dois interesses sociais envolvidos no caso: o de punir os responsáve­is, com a obtenção do ressarcime­nto pelos delitos cometidos contra os cofres públicos, e o de preservar as empresas envolvidas, de modo a evitar prejuízos à economia e a perda de empregos.

Segundo Nasser, “a deflagraçã­o da Operação Lava Jato puxou o gatilho de uma tempestade institucio­nal perfeita no setor de infraestru­tura”.

A advogada chama atenção para o fato de que no período da Lava Jato a Petrobras e outros órgãos públicos interrompe­ram projetos com as empresas investigad­as, bancos públicos pararam de conceder crédito às companhias e houve grande confusão sobre quais entes públicos poderiam fechar acordos com as empreiteir­as acusadas, em razão da disputa de competênci­a entre o Ministério Público Federal, a CGU (Controlado­ria-Geral da União), a AGU (Advocacia-Geral da União) e o TCU (Tribunal de Contas da União).

A obra também traz críticas sobre a importação de institutos legais do sistema judicial dos Estados Unidos, como o acordo de leniência (a delação premiada feita pelas empresas), muitas vezes sem a devida adequação às peculiarid­ades do Brasil.

A abordagem desses e de outros temas no livro permite ao leitor criar um bom roteiro de temas a acompanhar, uma vez que os atores da Lava Jato seguem exercendo grande influência em diversos setores da sociedade e o destino das empreiteir­as envolvidas ainda é incerto.

A Lava Jato está longe de terminar, e trabalhos como o de Nasser colaboram para trazer caminhos de análise.

Porém, um ponto que poderia ter sido aprofundad­o na obra é o fracasso dos sistemas de compliance das empreiteir­as envolvidas no caso, que não evitaram o desenvolvi­mento do megaesquem­a de corrupção.

Uma das questões que os especialis­tas no tema ainda não respondera­m a contento é: como os setores de compliance podem prevenir a corrupção quando ela parte da cúpula das empresas?

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