Folha de S.Paulo

Estudo conclui que a maioria dos estudos sobre dieta são enviesados

- Juliana Vines folha.com/achatadasd­ietas

A ciência parece sempre mudar de ideia sobre o que e quanto devemos comer para manter o peso e a saúde.

Agora, um novo artigo mostra que essa falta de consenso não é à toa. Segundo um estudo que avaliou 343 pesquisas científica­s na área de nutrição, a maioria dos trabalhos sobre dieta é mal feito: envolve poucas pessoas, tem curta duração e não consegue controlar a adesão dos participan­tes aos cardápios testados.

O artigo foi publicado no Jama Network (revista da Associação Médica Americana) neste mês. Os autores, da faculdade de medicina de Harvard e do centro de pesquisa biomédica Pennington, também escreveram um artigo para o jornal The New York Times, com o título “Por que é tão difícil descobrir o que comer”.

Eles compararam os métodos e objetivos das pesquisas sobre dietas com ensaios clínicos de drogas contra obesidade. “A maioria dos testes de dieta, mesmo nos melhores periódicos, falha até nas medidas mais básicas de controle de qualidade”, afirmam David Ludwig e Steven Heymsfield no texto escrito para o diário americano.

Os trabalhos analisados foram publicados de 2009 a 2019 nos principais jornais científico­s (The New England Journal of Medicine, JAMA, The BMJ, The Lancet, Annals of Internal Medicine e The American Journal of Clinical Nutrition).

De 343 estudos, os pesquisado­res selecionar­am 21 para analisar de perto. Destes, mais de 80% tiveram seus objetivos alterados depois de já terem começado, o que pode indicar que os levantamen­tos são enviesados, segundo o artigo.

Nos Estados Unidos, quem recebe financiame­nto público para realizar um ensaio clínico deve registrar o que planeja testar e como deve usar os recursos do projeto antes de o trabalho começar.

“Comparando os registros originais com os estudos finais publicados, descobrimo­s que os ensaios com dietas na última década tinham cerca de quatro vezes mais chances de discrepânc­ia no resultado do que os ensaios com medicament­os”, escrevem os autores.

Uma das pesquisas, por exemplo, inicialmen­te registrou como objetivo acompanhar a evolução de peso dos participan­tes ao longo de cinco anos, mas depois, no fim, mudou o objetivo para avaliar a “alteração na gordura corporal em um ano”.

Em comparação, apenas 21% dos ensaios clínicos para aprovar medicament­os contra obesidade mudaram os objetivos no meio do caminho.

“As falhas são perturbado­ras, porque a epidemia de doenças relacionad­as à dieta diminui a expectativ­a de vida e impõe enormes custos”, afirmam Ludwig e Heymsfield.

Segundo eles, a ciência continua sem ter estratégia­s de prevenção da obesidade em parte porque os ensaios clínicos foram mal planejados.

“Ainda estamos debatendo questões que surgiram há décadas: devemos nos concentrar na redução de carboidrat­os ou de gordura? A carne vermelha é prejudicia­l? O açúcar é tóxico? E quanto a bebidas adoçadas artificial­mente ou quantidade­s moderadas de álcool?”, continuam.

Os autores terminam pedindo mais investimen­tos em pesquisas sobre dieta. Para eles, esses trabalhos são subfinanci­ados, além de mais complicado­s de serem feitos do que os testes de drogas.

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